Ontem caminhava com o marido pelas redondezas do meu apartamento. O fim do trajeto de ida dava na rua de um restaurante de massas.
- Amor, lembra quando viemos aqui ano passado, logo antes das férias? Viemos comemorar não sei o quê, acho que o meu fim de curso. E veio um cara vendendo mel. Eu agradeci e disse que iríamos viajar. Ele disse: "leve de presente!". Eu respondi: "não, a gente vai pra Argentina. Não conhecemos ninguém lá."
E continuei contando a história. Naquela mesma semana, fomos ao Outback celebrar a diplomação da minha irmã. No dia 30 de novembro, embarcamos pra Buenos Aires. Foram umas férias boas, compridas e esperadas. 2008 tinha sido um ano muito difícil pra mim. Muito stress e pouca esperança.
Passamos a viagem sem anticoncepcional. Um mês para tentar, disse a médica. Porque aparentemente havia uns cistos no ovário que precisavam ser tratados, e o tratamento começaria depois das férias.
No avião, eu ia rabiscando umas palavras sem sentido num pedaço de papel. Algo sobre voltar com alguma coisa no ventre. O Rafael lia e se emocionava.
Na época, eu tinha quase nenhuma informação sobre concepção. Então enchi a cara de vinho, cerveja, batata frita, macarrão e pizza. Não fiz tabelinha; fiz rafting. Bebi e comi pacas, curti a viagem e engordei 3kg.
De volta da Argentina, ficamos dois dias em Brasília antes de embarcarmos outra vez para passarmos o recesso de natal em Fortaleza. Dias 22 e 23 de dezembro estivemos em Paracuru, praia deliciosa ali perto. E naqueles dias senti umas colicazinhas e fui à farmácia comprar um Tylenol. Algumas horas depois, desce o sangue, com uma semana de atraso. Eu e o marido um pouco chateados, não tanto por não ter sido daquela vez – era a primeira vez que tínhamos relação sem proteção e não fizemos nada pra facilitar –, mas porque a médica prometia três meses de anticoncepcional antes de começarmos as tentativas pra valer.
Janeiro de 2009. Volta ao trabalho e anticoncepcional de uso contínuo. Dieta radical, cortei totalmente o álcool e os carboidratos simples. Com o fim das férias, todos os sentimentos ruins que me assombraram em 2008 foram voltando. As crises profissionais e acadêmicas. A falta de perspectiva para o futuro. E eu detestando outra vez o ano novo, porque não havia nada de novo. Dia 15/02 completei 27 anos, exausta e quase triste.
Março. Ecografia e exames de sangue. Tudo perfeito. Ovários limpos, hormônios normais. Tomei apenas duas pastilhas da 3a e última cartela de anticoncepcional e a médica me autorizou a parar. Voltei feliz, feliz do consultório.
E dá-lhe a pesquisar sobre concepção. Dieta mega saudável, os quilos a mais indo embora. Até o marido entrou no esquema.
Abril de 2009. Primeira menstruação depois de interromper a pílula. Chamei uns amigos lá pra casa e quebrei o jejum de álcool com uma tacinha de Malbec.
Feriado de 1o de maio. Marido e eu fomos a Pirenópolis. De acordo com meus cálculos, um dia depois da ovulação. Ficamos num hotel no meio do mato, e lá havia algumas crianças. Brinquei com duas menininhas capoeiristas de lutar boxe. Recusei cerveja artesanal. Andando nas trilhas pra cachoeira, passamos por uma porteira estreita e o guia explicou: "chamam essa daqui de pega grávida". Gostei da brincadeira, e me imaginei grávida.
Dia das mães. Olhando aqui no calendário, vejo que caiu dia 10/05. Na igreja, distribuíram vasos de flores para as mães, e eu doida pra fazer um teste de farmácia. Mas era cedo. Fomos comemorar a data num restaurante escolhido pela minha mãe. Instalaram um pula-pula inflável e as crianças faziam a festa. Na saída, distribuíram rosas e minha irmã pegou uma pra mim. "Toma, você é uma grávida em potencial."
Dia 14/05, quinta-feira. Aniversário do meu irmão e data provável da descida do sangue, se meu ciclo fosse de 30 dias. Eu achei que era, mas não tinha tanta certeza. Vontade de fazer um teste, ligar pra ele e dizer: "Tenho um presente pra você. Um sobrinho!". Não fiz o teste porque era caro, porque tinha medo de dar negativo e porque o marido preferia esperar.
Sexta-feira. Fomos caminhar no parque. Eu olhando uma ou outra mulher barriguda, tentando adivinhar a idade delas. "Essa é mais velha que eu, tenho certeza". E namorando os zilhões de carrinhos de bebê, e as crianças no parquinho. Na volta, já escuro, quis passar na farmácia. "Mas não está muito cedo?", perguntou o marido. "Compro agora e faço no fim de semana." Escolhi o teste mais caro, o da canetinha. E disse: "Espero que este seja o último teste que eu compre. Quer dizer: o último antes de ter o primeiro filho, né?".
Lembrei agora que desde a quarta-feira daquela semana eu vinha acordando cada dia mais cedo. Primeiro às 6h, depois às 5h30, depois às 5h. E não conseguia voltar a dormir. Decidi então fazer o teste no sábado de manhã pra acabar logo com aquilo. Passei mal de madrugada e mandei embora todo aquele xixi que deveria ficar não sei quantas horas retido.
Marido acorda no sábado de manhã e me vê dormindo. Ele pensa: "deu negativo e ela não quis me acordar". Foi ao banheiro e procurou o teste na gaveta. Lá estava ele, intacto. Quando acordei, expliquei o que havia acontecido. Nada de menstruação e nada de teste. Ia ficar pro dia seguinte.
Liguei pros meus pais e convidei pra um almoço no domingo. Fiz lasanha. "Mas amor, pra que tudo isso? E se der negativo?". "Se der negativo, fazemos um almoço em família. Nada de mais."
Domingo, dia 17 de maio. Passo a madrugada acordando. A bexiga cheia, e eu segurando. Não sei se foi às 5h, às 6h, mas lá fui eu. Nervosa, com o intestino solto, queria fazer não apenas xixi. E o medo de aquela confusão estragar o teste. E a bexiga tão cheia que o xixi não saía. "Calma, Lia. Você tem controle do seu períneo. Você consegue fazer uma coisa, depois a outra." Fiz meu xixi. E ela apareceu. A segunda listra rosa.
E foi ali que começou meu ano.