segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Como escolher livros para crianças?

(post originalmente publicado por mim em http://literaturanocolo.blogspot.com.br/)

Esta é a pergunta que eu mais ouço quando digo que pesquiso literatura infantil. Pais e mães relatam que não sabem como selecionar um bom livro para seus filhos nas livrarias. Quando falo que tenho um blog sobre o assunto, buscam aqui recomendações, ou "dicas" de livros. De fato, faço aqui o que chamei de crítica literária amadora (ou semi-amadora, ou semi-acadêmica) de livros infantis. Por aí é possível que meus leitores encontrem algo de interesse. Afinal, é função da crítica despertar o desejo do contato direto com a obra.

Mas minha escrita é lenta e espaçada, e cobre muito pouco do universo de obras literárias para crianças disponíveis no mercado, nacionais ou traduzidas. Quem vier aqui encontrará mais uma reflexão sobre as obras que propriamente indicações de compra.

"Eu queria uma lista", disse a mãe de um colega da minha filha. É evidente que existe uma quebra na mediação da leitura. De maneira geral, não há adultos leitores para legarem às crianças este hábito, como se diz, que prefiro chamar de amor pela literatura. É difícil transmitir aos nossos filhos, netos, alunos, sobrinhos etc. algo que nos falta, que não é exatamente nosso métier. (Esta é uma reflexão que ultrapassa a literatura: que herança cultural e afetiva temos para legar aos nossos descendentes? Habilidades artesanais, sabedorias, dons artísticos, intuições? Ou estamos só pagando contas?)

Uma boa maneira de começar é buscar os livros de que você gostava quando era criança. Muitos ainda podem ser encontrados. Mary e Eliardo França (coleção Gato e Rato), Ziraldo, Ruth Rocha, Ana Maria Machado, clássicos como Lúcia já vou indo, de Maria Heloísa Penteado...

Se suas memórias de leitura se perderam num abismo, pois bem, façamos as listas. Se nos sentimos incapazes de julgar um bom ou um mau livro, honesto aquele que busca indicações com quem tem mais repertório.

Desnecessário que eu apresente aqui uma seleta própria de livros infantis. Há muitas instituições que fazem isso. Sugiro, portanto, algumas fontes onde os adultos podem procurar títulos já triados, e evitar gastar dinheiro com os maus livros:

- A Revista Crescer divulga anualmente uma lista com os 30 melhores livros. Trata-se de uma instituição com fins lucrativos, que tem no júri vários nomes ligados a editoras. Ainda assim, não é uma seleção que se despreze, e é um bom começo para quem não tem ideia do que comprar.

- A Fundação Nacional do LivroInfantil e Juvenil (FNLIJ) é uma excelente referência. Além dos livros premiados em várias categorias, a FNLIJ tem o selo Altamente Recomendável, mais uma lista de livros que deveriam compor bibliotecas infantis. Os jurados são pessoas experientes no ramo. 

- O Programa Nacional Bibliotecada Escola (PNBE), que distribui (distribuía? continuará distribuindo?) livros para escolas públicas, divulga em seu site os títulos que compõem os acervos, por nível de ensino. A seleção tem sido feita pelo Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale), da UFMG, por professores extremamente competentes. É só ver o que o governo comprou e comprar igual.

As listas, acervos, prêmios fazem um recorte nesse universo tão heterogêneo que é o mercado editorial infantil. Escolher livros a partir daí, quando não se têm muitas referências próprias, é um caminho. E que os adultos tomem tempo para ler junto com as crianças, e assim ir preenchendo esses vazios da memória.

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Minha vida dupla



Ontem, no fim do dia, fui a uma palestra. As meninas ficaram em casa com o pai. Aquele momento de suspensão, de quebra na minha rotina rigorosa, me deixou perplexa. Onde eu estava, e quem eram aquelas pessoas?

Pesquisadores envolvidos até os cabelos com a carreira. Falavam de coisas que eu entendia, e nas quais eu via sentido. Foi essa a profissão que eu escolhi. Mas era como se aquele ritmo me fosse impossível de atingir.

Quando estou fazendo alguma tarefa braçal, como lavar a louça ou picar cenoura, penso na vida que levo – a vida que eu pedi a Deus. Levanto às 6h para arrumar as meninas para a escola. Às 7h e pouco elas saem com o pai. Fico então até às 8h por conta da casa, período em que lavo louça, estendo roupas, deixo o almoço pré-pronto. Depois, vou estudar. Às 12h termino o almoço, e então quando elas chegam da escola é o Deus-nos-acuda. Servir prato, trocar de roupa, varrer chão, e de novo a eterna louça. Fico com elas toda a tarde, e só posso reclamar mesmo do trabalho que dá a comida.

Ontem eu tinha de sair depois da janta pra palestra. Queria que o marido ficasse só por conta das crianças, sem nenhuma bagunça pra arrumar. Enquanto elas brincavam de bonecas no corredor, estendi a roupa de todo dia (que agonia) varri e passei pano no chão da cozinha, deixei a louça lavada. E fui.

Voltei pra casa pensando: como eu vou conseguir chegar aonde meus colegas vão chegar? Como conseguir compensar as minhas limitações? "As crianças vão crescer", o marido diz. Sim, já estão crescendo. A flexibilidade aumenta, mas precisamos continuar disponíveis.

Só quem tem uma família pra cuidar sabe a loucura que é. A gente pode tentar empregada, babá, escola integral, mas no mínimo teremos de administrar tudo isso. E se a empregada que dorme já entrou em extinção – e a mensalista está na lista das profissões ameaçadas –, colocar a casa em ordem depois da última refeição do dia é uma tarefa inevitável, mesmo pra quem tem alguém todos os dias.

Como eu disse, vivo a vida que pedi a Deus. Passo bastante tempo com minhas filhas, consigo acompanhar a vida delas. Ao mesmo tempo, estou construindo uma carreira que é minha vocação e que me dá prazer – e que, espero, se mostre mais flexível que meu antigo trabalho, para que eu sempre tenha o tempo necessário pra família. Não tenho patrão e sou responsável pela minha própria disciplina. Em suma, sou livre.

Mas o ritmo é outro. A mãe que ousa carregar os filhos sempre caminhará mais devagar. O que nos salva é a obstinação. Caminhamos devagar, mas não paramos.

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