quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Minha vida dupla



Ontem, no fim do dia, fui a uma palestra. As meninas ficaram em casa com o pai. Aquele momento de suspensão, de quebra na minha rotina rigorosa, me deixou perplexa. Onde eu estava, e quem eram aquelas pessoas?

Pesquisadores envolvidos até os cabelos com a carreira. Falavam de coisas que eu entendia, e nas quais eu via sentido. Foi essa a profissão que eu escolhi. Mas era como se aquele ritmo me fosse impossível de atingir.

Quando estou fazendo alguma tarefa braçal, como lavar a louça ou picar cenoura, penso na vida que levo – a vida que eu pedi a Deus. Levanto às 6h para arrumar as meninas para a escola. Às 7h e pouco elas saem com o pai. Fico então até às 8h por conta da casa, período em que lavo louça, estendo roupas, deixo o almoço pré-pronto. Depois, vou estudar. Às 12h termino o almoço, e então quando elas chegam da escola é o Deus-nos-acuda. Servir prato, trocar de roupa, varrer chão, e de novo a eterna louça. Fico com elas toda a tarde, e só posso reclamar mesmo do trabalho que dá a comida.

Ontem eu tinha de sair depois da janta pra palestra. Queria que o marido ficasse só por conta das crianças, sem nenhuma bagunça pra arrumar. Enquanto elas brincavam de bonecas no corredor, estendi a roupa de todo dia (que agonia) varri e passei pano no chão da cozinha, deixei a louça lavada. E fui.

Voltei pra casa pensando: como eu vou conseguir chegar aonde meus colegas vão chegar? Como conseguir compensar as minhas limitações? "As crianças vão crescer", o marido diz. Sim, já estão crescendo. A flexibilidade aumenta, mas precisamos continuar disponíveis.

Só quem tem uma família pra cuidar sabe a loucura que é. A gente pode tentar empregada, babá, escola integral, mas no mínimo teremos de administrar tudo isso. E se a empregada que dorme já entrou em extinção – e a mensalista está na lista das profissões ameaçadas –, colocar a casa em ordem depois da última refeição do dia é uma tarefa inevitável, mesmo pra quem tem alguém todos os dias.

Como eu disse, vivo a vida que pedi a Deus. Passo bastante tempo com minhas filhas, consigo acompanhar a vida delas. Ao mesmo tempo, estou construindo uma carreira que é minha vocação e que me dá prazer – e que, espero, se mostre mais flexível que meu antigo trabalho, para que eu sempre tenha o tempo necessário pra família. Não tenho patrão e sou responsável pela minha própria disciplina. Em suma, sou livre.

Mas o ritmo é outro. A mãe que ousa carregar os filhos sempre caminhará mais devagar. O que nos salva é a obstinação. Caminhamos devagar, mas não paramos.

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