quarta-feira, 27 de junho de 2012

Emília feminista e outras

Emília vendo fotos de quando eu era criança. Eu e meu irmão na foto:

- Olha, os dois! Não, os dois não purtê você é mulher. As duas.

E o pai:

- Emilinha, quando tem um homem e uma mulher, a gente fala "os dois".
- Pur tê?

...

+++

Fomos a uma loja baratex e compramos algumas roupas pra Emília.

- Emilinha, me diz quanto custou essa blusa?
- Dez Errais!

+++

E mais uma que não podia passar:

- Emilinha, você está muito cri-cri.
- Qui-quiança.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Procura-se uma escola

Quando minha primeira licença-maternidade terminou, decidi colocar Emília na creche. Para nós, era uma opção mais segura que babá. Na época em que visitei a escola, me apaixonei. O espaço era maravilhoso, o cardápio, impecável, e as educadoras pareciam cuidar bem das crianças. Todo o necessário para um bebê de apenas 7 meses. Além disso, Emília fazia aulinha de natação comigo lá mesmo na escola. Eles tinham aulas de música (simples, mas divertidas) e, para os maiorzinhos, artes. Lembro que observei os trabalhos colados nos murais e havia referências a artistas plásticos (na época, Van Gogh). Aquilo me cativou, já que eu amo arte.

Com o tempo, foram aparecendo os problemas (que sempre os há). Fomos vendo que a escola era um pouco mais tradicional do que parecia ser e que havia algumas dificuldades em lidar com a diferença - como quando Emília começou a morder os colegas e insinuaram que era porque ela tinha restrições alimentares. Autorizamos nossa filha a comer os lanches que ela não comia e não adiantou nada, ela continuou mordendo. Parou quando eu a tirei do integral.

Além disso, soube de pais que tinham filhos em outras salinhas que o troca-troca de professores estava grande. A professora de artes saiu e as crianças ficaram um tempo sem essa atividade. A coordenadora explicou que às vezes as educadoras pedem pra sair e que eles não podem fazer nada, mas todos sabemos que em lugar onde as pessoas são valorizadas e bem pagas há muito menos rotatividade de profissionais.

Começamos então a procurar uma instituição que fosse mais a nossa cara, menos padronizada, mais plural, e que valorizasse mais os professores. Visitamos uma que tinha uma proposta muito bacana, com enfoque na autonomia da criança, mas não nos convenceu. Achamos as salas com um aspecto de desleixo e ficamos inseguros quanto ao método. Como a escola da Emília passaria uma das educadoras para o nível seguinte junto com a turma, e ela permaneceria com a mesma professora e os mesmos colegas, decidimos mantê-la na escola antiga (até porque, com o nascimento da irmã, seria menos uma adaptação pra ela).

Com o início do ano letivo, estávamos relativamente satisfeitos. Eles estavam investindo na nutrição, com a introdução de alguns vegetais orgânicos, a troca dos pratos e talheres de plástico por outros de inox, e um cardápio cada dia mais bacana e variado. Contrataram uma nova professora de artes (apesar do que eu nunca mais vi nas paredes trabalhos que fizessem referência à história da arte) e fizeram uma salinha de leitura muito bonitinha. Na turma de dois anos começou também o projeto de leitura, e toda sexta-feira Emília traz um livrinho pra casa. Alguns são bem fraquinhos, mas outros são excelentes. Em todo caso, o simples fato de a escola incentivar a leitura desde cedo já vale o crédito.

O grande problema começou com a soneca. Essa era uma questão antiga, que vinha desde que passei a Emília pro turno matutino (com 18 meses). Ela ficou na escola em período integral até o fim do primeiro semestre do ano passado, quando emendei férias, licença médica e licença maternidade. Em julho, eu gravidíssima, fiquei as duas semanas de férias escolares cuidando sozinha dela. Eu a colocava pra dormir às 13h e ela ia até as 15h, o que me dava um bom tempo pra descansar (e eu precisava daquela soneca). Assim que as aulas recomeçaram, de repente ela passou a cochilar de manhã mesmo, na escola. Então ela chegava já dormida e eu perdi minha soneca da tarde. Até cheguei a me sentir mais cansada do que quando ela passava o dia em casa, e fiquei me perguntando se estava valendo a pena. Com a chegada iminente da Margarida, achei melhor não mexer. E ela ficou até o fim do ano letivo dormindo na escola.

Com o início deste ano, Emília já com dois anos e tendo passado as 5 semanas de férias cochilando no início da tarde, e não no fim da manhã, achei que era hora de ela não dormir mais na escola. E pedi pra que não a colocassem pra dormir depois do almoço (essa inclusive já era uma solicitação de vários pais cujos filhos estudam de manhã). No entanto, várias vezes ela dormia. Às vezes eu achava conveniente, até porque ela não mamava quando dormia na creche, mas a situação começou a ficar feia. Meu marido vinha pra casa, almoçava correndo e ia buscá-la às 13h30 (horário limite para o matutino). Chegando lá, muitas vezes ela ainda estava dormindo. Ele chegava a esperar meia hora para que ela acordasse. Com o tempo de vir deixá-la em casa, só conseguia chegar ao trabalho ali pelas 15h. Consequentemente, não conseguia voltar pra casa cedo no fim do dia, e eu ficava enlouquecida sozinha com as meninas na hora do nosso rush (jantar, banho e sono). Muitas vezes dei banho nas duas e coloquei Margarida pra dormir enquanto Emília esperava sozinha na sala.

Além disso, com Margarida crescendo, Emília acordada à tarde significava necas de soneca pra pequena. Margarida não conseguia mais dormir com a irmã em casa. E eu, muito menos.

Então fomos taxativos: Emília não vai mais dormir na escola. Não faz sentido nenhum uma criança que passa de 4 a 5 horas na escola ficar 2h dormindo. Não há necessidade, até porque, com dois aninhos, ela aguenta muito bem até o início da tarde pra dormir em casa. E eu pago uma escola é pra me ajudar, não pra me atrapalhar.

Eles resolveram a situação e, quando íamos buscar Emília (o Rafael começou até a buscá-la bem mais cedo, às 12h30, pra que ela não ficasse cansada demais), ela estava lindamente brincando no pátio. A vida ficou muito melhor: meu marido saía do trabalho, passava na escola (que fica no caminho) e vinha pra casa. Eu punha Emília pra dormir enquanto ele dava o almoço da Margarida e depois ele almoçava sossegado com as duas cochilando. E conseguia voltar pro trabalho às 14h, rotina que estamos adotando até hoje.

Até que... Rafael passou a encontrar Emília dormindo várias vezes em que ia buscá-la na escola. Duas vezes na semana, em média. Ele tinha de voltar pra casa, engolir o almoço e depois retornar à escola pra buscá-la. Começamos a contestar: por que ela está dormindo? Será que ela está lá no escorregador e dorme? Então descobrimos que, de 11h30 às 12h, TODAS as crianças ficavam deitadas no colchão, inclusive aquelas cujos pais pediram que não dormissem. Óbvio que, no escuro, deitada, sem nada pra fazer, eventualmente elas acabarão dormindo. E quando não dormem, ficam igual zumbis depois (e começou a ser o maior estresse pra fazer Emília dormir em casa, porque ela chegava nervosíssima). A desculpa da coordenação foi que eles não tinham ninguém pra ficar com as crianças que não dormem nesse período. E que eram poucas crianças. Ora, eu conheço pelo menos cinco. E cinco crianças dá um cuidador. Se fossem dez, precisariam de dois cuidadores.

E como se não bastasse, a coisa piorou. Alguns dias o Rafael chegava na escola às 12h30 e Emília estava dentro da sala. Perguntei a ela o que ela tinha ficado fazendo durante uma hora, no escuro, sozinha, sem poder fazer barulho pra não acordar os colegas: "Fiquei desenhando e empilhando cadeiras". Aquilo me cortou o coração. No mesmo dia comecei a ligar pra outras escolas e agendar visitas.

Como eu já tinha conversado pessoalmente com a coordenadora e ainda relatado a questão por escrito, só me restou deixar um recado na agenda da Emília para que as educadoras também conhecessem nossa insatisfação. Alguém poderia me dizer que, se a soneca é rotina da creche, eu deveria me adaptar. Mas aí, meus amigos, que a escola dissesse que só tem atividade até 11h, e não até 13h30. E mais: parece que você pode buscar seu filho em qualquer horário até 13h30, mas, não: você tem de buscá-lo na hora em que ele resolver acordar. Porque quem tem coragem de acordar às 12h15 seu filho que foi dormir às 11h45? E 13h30 é um horário péssimo pra buscar uma criança na escola, especialmente se muitas vezes você é obrigado a esperar até as 14h ou mais. Pros meninos do integral, a soneca no fim da manhã é ótima, indiscutível e indispensável. Mas não faz sentido nenhum que crianças de dois a três anos durmam na escola se estarão em casa à tarde.

Depois desse recado ameaçador, eles parecem ter resolvido a questão. Começaram a levar as crianças pra salinha de leitura. Ficamos bastante satisfeitos: quando chegávamos lá, Emília estava ouvindo historinhas, lendo ou brincando de massinha. E a mudança de escola ficou em banho-maria.

Até que surgiu a Galinha. Sim, aquela azul de pintinhas.

Foi numa dessas reuniões de pais. Reunião bacana, feita na própria salinha das crianças, em que as professoras mostraram como é a rotina do dia. Finda a reunião, vamos buscar Emília na salinha de leitura (num horário mais tarde que o habitual, por causa do evento). Então a encontro com uma cara de zumbi, o corpo todo voltado pra frente, escutando e vendo "Marcha soldado" em arranjos de teclado e animação em flash. Chamei-a várias vezes pra ir embora, e ela só me viu quando a amiga do lado lhe deu um cutucão. "Espela, deixa acabar."

Saímos de lá com um bico de todo tamanho, e eu dizendo ao meu marido: "Calma, deve ter sido uma exceção, já que todas as educadoras estavam ocupadas com a reunião." E, no caminho pro carro, uma surpresa nada agradável: tinham cimentado a horta.

No dia seguinte, meu marido foi perguntar à coordenadora com que frequência a dona Pintadinha vinha visitando a escola. Ela disse que eventualmente, para fins pedagógicos (oi?), as crianças viam televisão. Para as crianças até dois anos, às vezes isso acontecia nos plantões. Mas, para a turminha de 3 anos, existem dois horários na grade reservados para esse tipo de "atividade", que durava, no máximo, 40 minutos. Que os pais tinham sido consultados e concordaram, que o material era selecionado, que não tinha violência nem princesas. O Rafael disse que não gostava da Galinha Pintadinha, que era muito feio, que Emília mal via televisão em casa e que existe um estudo seríssimo condenando o uso de qualquer mídia eletrônica para crianças menores de três anos. Ela perguntou se gostávamos de Cocoricó.

Agora preciso respirar fundo.

Cocoricó é legal? É, muito legal. E existem muitas produções audiovisuais voltadas para crianças que são maravilhosas. Quando Emília tinha um ano e meio, levei-a ao cinema pra assisitir ao Pooh (que ela chama de Puff, ai, orgulho!), e nós duas amamos. De vez em quando também coloco desenhos do Snoopy pra ela ver (que são lindos, cenários de aquarela belíssimos e trilha sonora profissional), ou alguns filminhos no You Tube como O Caminho das Gaivotas e o gatinho Komaneko. Tudo com no máximo 20 minutos de duração. Mas a questão vai muito além da qualidade dos programas.

Digamos que você não vê problema nenhum em que seu filho veja Galinha Pintadinha. Digamos que você mesma tem alguns DVDs e coloca no carro, quando vai viajar, ou usa para deixar seu filho entretido enquanto precisa fazer outra coisa. Imagino que mesmo você não vai gostar de saber que os mil merreis que paga pro filho passar 4 ou 5h na escola está sendo gasto com cineminha. Se eu deixo Emília com minha mãe, que tem mais de 60 anos e acabou de passar por um tratamento de saúde super agressivo, e ela assiste com Emília um longa de animação, não posso reclamar. Mesmo sem receber nada por isso, fica o tempo todo ao lado da neta, comentando cada cena e respondendo às mil perguntas que ela faz o tempo todo. Agora, isso é a casa da vovó, ou até a sua casa. Mas isso não é uma escola.

Escola não é pra ser meramente um depósito de crianças, um lugar onde você deixa seus filhos para poder trabalhar. A escola é uma instituição onde se espera que as crianças sejam educadas e se desenvolvam, numa parceria com os pais. É verdade que, até os 4 anos, a escola não teria nada a acrescentar além do que oferece a presença materna. Mas são poucas as mães que podem (e querem) ficar integralmente com seus filhos durante esse período, razão pela qual a escola tem um papel social absolutamente crucial.

O que tem me deixado triste é o processo de sucateamento das instituições. É rodízio de professores, destruição da horta e substituição de atividades pedagógicas pela babá eletrônica. Televisão é entretenimento? Sim, de qualidade às vezes duvidosa, mas é. As crianças gostam? Sem dúvida. Agora, pedagógica? My ass. Na educação infantil, a televisão é usada para cortar gastos com pessoal, tampar buracos na grade e facilitar a gestão da escola. Só e somente só. Qualquer papo-furado sobre o papel educativo da mídia não cola comigo.


Já deve ter um monte de gente gritando em coro: "muda de escola! muda de escola!". E aí vem o problema: pra onde, meu Deus? Soube que uma creche considerada das melhores da cidade andou passando Shrek 2 para crianças de 3 anos. Outra escolinha muito simpática, montessoriana, com horta e jardim, instalou no ano passado projetores multimídia nas salinhas e deu boas vindas ao tal "Portal da educação". E amanhã visitarei mais uma escola, sem muita esperança.

E por que eu não tiro Emília da escola e fico com as duas, já que estou sem trabalhar? Olha, já fiquei tentada a fazer isso muitas vezes. Minha vida atualmente está perfeita, mas essa não é uma situação que se sustenta a longo prazo. Não cabe mais um filho na nossa vida atualmente (eu não teria grana nem pra pagar um pré-natal). E se eu não buscar outras alternativas profissionais neste período, daqui a três anos serei obrigada a retornar ao meu trabalho em tempo integral. E não é isso que eu quero pra minha família. Então, pretendo voltar a estudar no ano que vem, e Emília e Margarida serão cuidadas por outrem durante 4 horinhas do dia. Se bem cuidadas, fico tranquilíssima com o esquema.

E babá? Preciso respirar fundo de novo.

Como estou com as meninas a semana toda, sou frequentadora assídua do parquinho e conheço todas as babás da quadra. Eu teria coragem de deixar minhas filhas com apenas três delas. Entre as outras, uma guarda a chupeta do menino dentro do sutiã, outra fala com os meninos sempre ralhando, e todas ficam com a bunda colada no banco enquanto os moleques fazem xixi na grama do parquinho (por sugestão delas, aliás) ou fogem e vão parar no meio da rua. Só se Deus fosse muito misericordioso e me mandasse uma anja. Por enquanto, continuo procurando a escola dos meus sonhos...



Procura-se uma escola:


- onde eu não me sinta uma chata ao conversar com a coordenação, mas onde a participação dos pais seja mais que bem-vinda;
-  onde os professores sejam valorizados, recebam salários dignos, sejam bem tratados e capacitados continuamente;
- onde eu sinta que minhas filhas estão efetivamente aprendendo, e onde suas capacidades e potenciais sejam aproveitados.

E, principalmente, procura-se uma escola onde minhas filhas sejam felizes. E quando alguém perguntar a elas se gostam da escola, possam responder, igual uma menina que encontrei certa vez: "Adoro!"

(E, já ia esquecendo: procura-se uma escola que não tenha televisão.)

+++

Um adendo: obrigada a todas pelas sugestões de escola, mas esqueci de adicionar um item à listinha acima que desqualifica a Waldorf: a escola tem de ser laica (ou, se confessional, pelo menos cristã, que é a nossa religião). Realmente a pedagogia Waldorf tem mil coisas que são a nossa cara, mas eles têm uma origem mística bem diferente da nossa fé. E não quero nenhuma confusão na cabecinha das minhas filhas em relação à formação espiritual, especialmente nessa primeira infância. Então, lamentavelmente, é menos uma pra lista.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Mentiras obstétricas

A revista, depois de citar algum médico do Conselho Regional de Medicina de São Paulo condenando o parto domiciliar, além de certo "estudo" que já foi derrubado por pesquisas científicas sérias, exibe fotos das melhores suítes de parto do estado e deixa a seguinte lição nas entrelinhas: "Mãezinha: você pode ter um lindo parto humanizado num hospital. Então deixe dessa frescura de querer parir em casa e entregue seu corpo pra quem entende do assunto, ok?".

Depois, o canal de televisão faz uma matéria menos tendenciosa, com o mérito de entrevistar profissionais de saúde qualificados, entre eles o professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Jorge Kuhn. Mas deixa a mesma lição: o hospital oferece todas as condições para um parto natural. Parto em casa é capricho.

Daí alguém começa a te questionar: "Por que você pariu em casa? É perigoso..." E você explica que os riscos são idênticos (ou menores) aos de um parto hospitalar de baixo risco, e que isso é corroborado pelas melhores evidências científicas. Mas, como diz aquele programa dominical, "recentemente uma mulher morreu na Austrália após um parto domiciliar..." Você pode refutar: "Sério? Pois eu sei de um caso aqui mesmo na cidade, no hospital X, de uma mulher que morreu após uma cesárea eletiva. E sei de outra que ficou vegetativa após receber uma medicação para dor durante o trabalho de parto." E pode dizer, ainda: "Pessoas morrem. A mortalidade materna e neonatal no hospital não é zero, sabiam?" Mas, não. Eu me baseio na minha experiência pessoal, e as evidências científicas que se danem.

Aqui em Brasília existe uma grande avenida, sem semáforos, chamada popularmente de Eixão. Velocidade máxima: 80km/h. Atravessar o Eixão por cima é perigoso, é melhor usar os túneis. Mas tem gente que se recusa: "Esses túneis são um horror... já pensou se eu for assaltada lá dentro? Eu atravesso o Eixão por cima todo dia e nunca fui atropelada." Daí você sabe de alguém que foi atropelado andando na calçada e conclui que andar na calçada é tão perigoso quanto atravessar o Eixão.

Os estudos que concluem pela segurança do parto em casa não se baseiam em clippings de jornais e revistas - ao contrário da opinião pública. Eles se baseiam em uma quantidade significativa (milhares) de nascimentos planejados para acontecerem em casa, com assistência qualificada, e os comparam a nascimentos de baixo risco planejados para acontecerem no hospital. Óbvio que se você morrer atropelado enquanto estiver andando na calçada, isso vai virar notícia. Mas isso não é ciência.

E aí vem a primeira mentira. Parir no hospital é seguro, parir em casa é perigoso. Não sou eu que vou tentar convencer ninguém. Quem quiser pensar, pode começar lendo este artigo. A médica que o escreveu, Dra. Melania Amorim, tem nada menos que dois pós-doutorados (um pela Unicamp e um pela OMS). O parto em casa tem riscos, assim como o parto hospitalar. Não se iluda achando que, agendando uma cesárea, seu bebê ou você jamais vão morrer ou ter alguma sequela.

A segunda mentira é que qualquer pessoa pode ter um parto humanizado no hospital. Para começar, são poucas as cidades que dispõem de maternidades com estrutura adequada para um parto humanizado - quarto PPP (pré-parto, parto e pós-parto), cama apropriada, larga e com a cabeceira reclinável, banheira etc. E quando tem, vira e mexe aparece uma enfermeira chamando a mulher de "mãezinha" ou mandando fazer força de cocô. É frescura eu não querer ir pro hospital porque lá me chamam de mãezinha? Não é não, senhores repórteres. Não é não, conselhos de medicina. Se vocês fossem lá nas evidências científicas, saberiam que uma fêmea precisa de sossego para parir, e qualquer interferência pode gerar complicações e tornar o processo do parto mais difícil e longo - e, portanto, perigoso.

Outra mentira é que, se a cesárea foi necessária, que bom que eu estava no hospital. Considerando nossos índices de cesarianas, é óbvio que a maioria esmagadora delas está sendo feita sem indicação clínica. Mas existem aquelas - por sofrimento fetal, por exemplo - que se tornam necessárias devido à má assistência ao parto. Internações precoces, maus tratos com a parturiente, ambiente inadequado. Tudo isso pode fazer o bebezinho ter medo de sair. E você, ter medo de deixá-lo sair. Isso não é fantasia. É ciência. O vilão se chama adrenalina. E vá olhar: das mulheres que planejam ter seus filhos em casa, pouco mais de 10% têm de ser submetidas à cesárea - taxa recomendada pela OMS. Essas sim, maravilhosas e salvadoras. Mas por que será que 90% dessas mulheres conseguem parir?

Eu poderia falar de muitas outras mentiras. Mas a verdade dói. A verdade é que mulheres grávidas e em trabalho de parto não precisam de médicos senão para vigiá-las, e intervir apenas em caso de necessidade. A verdade é que o hospital só é necessário em caso de intercorrências e que, sim: dá tempo de transferir. Talvez algum bebê (um em mil) ou mãe (uma em cinco mil) que não teria morrido no hospital morra em casa. Mas vários bebês e mães que morreram no hospital poderiam estar vivos se tivessem tido um parto domiciliar bem assistido. Mas como gostam de jogar pedra na Geni...

A verdade é que os conselhos de medicina não estão protegendo nem mulheres, nem bebês. A verdade é que não existe, do ponto de vista da segurança, nada que justifique que sejamos privadas do direito de escolher.

Pelo direito à escolha do local de parto e pela assistência obstétrica baseada em evidências.

Seguidores

 
Blog Design by Template-Mama.