quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Carta para Emília - emoções do último mês

Minha filha querida,

Hoje escrevo pra você um texto de gente grande. Talvez entendendo sua mãe, você entenda alguma coisa sobre você mesma.

Minha personalidade tem duas marcas opostas: sou sonhadora e pé no chão, tudo ao mesmo tempo. Tenho raízes e asas. Sou leve e pesada. Isso muitas vezes gera uma briga dentro de mim, um lado querendo ficar, o outro querendo ir. Normalmente quem ganha é o lado responsável, porque ele é mais forte e menos flexível. Mas o lado romântico sempre dá um jeito de sobreviver, transborda pelos meus dedos quando escrevo, pelos meus olhos quando choro. E, no fim, quando pouquíssima coisa importar, acho que ele é quem ganhará a briga.

Meu lado sério prevalece a maior parte do meu dia. É quando trabalho. Esse lado foi o que me permitiu ser sempre boa aluna, agradar meus pais e conseguir um bom emprego. Esse lado pra mim é o que garante a minha sobrevivência. Mas não é a minha vida.

Minha vida acontece no fim da tarde, à noite, nos fins de semana, feriados e férias. Eu poderia curtir o trabalho e viver o tempo todo? Poderia, se não fosse obrigatório. Se eu não tivesse de ficar longe de casa, longe de quem eu amo. Mas certas coisas na vida têm de ser feitas, quer você queira, quer não. Assim eu aprendi. Assim me diz meu lado responsável.

Talvez eu ainda não tenha aprendido a arte de conciliar esses meus dois lados harmonicamente. Não levo trabalho pra casa, não levo problemas de casa pro trabalho.

Quando eu era criança, meus pais diziam que fizéssemos logo o dever de casa para “ficarmos livres”. Depois poderíamos brincar sossegados, sem nos preocuparmos com nenhuma pendência. E sempre vi minha obrigações dessa forma: fazer logo para me ver livre, e depois poder curtir a vida. Compartimentei meus dias em deveres e lazer. Claro, quando se é adulto, os deveres ocupam muito mais tempo.

Não detesto minhas tarefas. Gosto de cozinhar, acho que curto até separar roupas pra lavar. Sento no chão ou me acocoro e fico jogando as roupas de um cesto pro outro. Meu trabalho também anda bastante tranquilo. Muita gente boa e um ambiente agradável. Mas basta a expressão “eu tenho que...” antes de qualquer ação pra baixar aquela garota séria, determinada a encerrar a tarefa da melhor forma possível e no menor espaço de tempo.

Tem sido no mínimo interessante observar essa disputa interna durante meu último mês de gestação. Estados que tiram parte da nossa sanidade – cansaço, um pouco de álcool, hormônios – são o cenário ideal pra que meu lado sonhador derrube de nocaute o outro. O chato. O estável. O equilibrado.

Fiz minhas listas e me descabelei com as coisas que não dependiam de mim. Depois que tudo acabou, respirei aliviada. Primeiro a obrigação, depois...

Por que eu tinha de estar com tudo pronto agora? Porque o desespero ficava batendo na minha cabeça, o diabinho da organização, da insegurança, do medo. E meu bichinho da paz, que me faz descansar em braços muito mais fortes que os meus, que me diz que tudo vai dar certo e que não dá mesmo para controlar tudo, estava lá, massacrado. E agora os dois discutem entre sim: “Eu não disse? Eu tinha razão.”

Eu tinha razão de me organizar. Mas não tinha razão para me preocupar. Mas como faz isso, não se preocupar? Não aprendi ainda.

Meu sonho? Que você fosse diferente de mim. Que fosse mais leve. Que tivesse a fé que em mim é tão falha. Mas talvez você não seja, e talvez roa suas unhas como eu. Mas isso não importa, Emília. Todo mundo traz dentro de si um temperamento, às vezes mais dócil, às vezes mais difícil. Mas sempre existe algo que temos de fazer para que nosso temperamento não machuque os outros nem a nós mesmos.

Fazem oito meses que te carrego no meu ventre. Você pesa. A responsabilidade pesa. Não tenho medo de não saber cuidar de você. Não, de você não tenho medo nenhum. Mas fico querendo ser perfeita, riscar das minhas listas todas as minhas obrigações pra depois viver no paraíso com você. É meu lado romântico falando. Porque não consigo ver meu papel de mãe como uma obrigação. Foi uma escolha. Não sei se estou conseguindo explicar. Talvez seja mais ou menos isto: que arranquei os cabelos pra me livrar do mundo chato antes de você nascer, pra que depois eu pudesse me dedicar só a esse trabalho divino. Amar você.

22 comentários:

.Justlow disse...

Ain que lindo , eu ameeeei !
bjs um, dois , três , saco de farinha !
;*

Dani Balan disse...

Lindo! Lindo! Lindo!
Beijo, querida!
Dani

Tathyana disse...

Assim como vc tmb sou sonhadora e romântica e tenho muita dificuldade em conciliar os meus sonhos e desejos com o "mundo real". Principalmente depois que virei mãe. Amei a carta pra Emília. Bjssssssssssss

Renata disse...

Suas cartas pra Emília são sempre lindas, cheias de verdade e emoção. Sempre fico com lágrimas nos olhos e tenho certeza que ela vai amar cada uma dessas cartinhas.
Um beijo, Re

Marina disse...

Li, tambpem escrevi uma carta pra Bia hoje, mas não tá no blog (apesar de ter um recadinho pra ela lá! rss) Deixei num caderninho que um dia ela vai receber de mim!

Acho que do jeito que ando emotiva e sensível nessa reta final, se eu realmente colocasse no papel tudo que quero falar pra ela e dividir com ela, ela receberia um bom número de páginas pra ler por toda vida!

Linda sua carta pra sua menininha!
Nosso mundo vai revirar já já... E vai ser mt bom!

beijocas

Marina disse...

Oi. Que texto bonito. Você escreve muito bem.
Sabe que eu fiquei com aquela nossa "conversa" na cabeça de ontem pra hoje. Fiquei tentando lembrar dos meus 21 anos... da gravidez... E conclui que apesar de não me preocupar com as preparações pra chegada da minha filha (as coisas práticas que envolvem um recém-nascido), eu me preocupava com tantas outras. Preocupava com a faculdade que faltava acabar, com o dinheiro, com a falta do pai, com a minha solidão... Foi muito difícil. Hoje eu vejo que fui salva pelo meu lado sonhadora. Teria sido muito difícil passar por tudo aquilo sem um pouco (muito) de romance na cabeça. Hoje eu quero ter um filho assim, como você. Quero estar livre de qualquer preocupaça que seja, pra poder aproveitar cada segundinho da gravidez. Apesar dos pesares, soube curtir minha filha muito, mas muito mesmo, de uma forma especial e só minha. Mas eu queria poder ter aproveitado mais, me preocupado menos, sofrido menos com a notícia. Tudo passa... e passa rápido. Aproveitemos porque só o que existe é o agora.

PS: O post dessa semana fala um pouquinho disso... Passa lá!

Marina disse...

Ué, ele não está aparecendo?

Fabiola disse...

Nossa.. que lindo! :)

Marina disse...

Agora acho que foi.

Carol disse...

lindo demais, como sempre.
certeza que a Emília vai ser super orgulhosa da mommy que tem!

beijos!

Camila Bandeira disse...

Muito lindo seu texto, me identifiquei nele também. Sou um pouco assim, faço meu trabalho, mas não levo trabalho para casa. Encaro o lazer com muita "seriedade", acho uma parte muito importante da vida. Até porque já convivi muitos anos com alguém que não pensava assim e sofria muito. Hoje vivo feliz com meu maridão que encara nossa programação de fim de semana numa boa, sem trabalho. Obrigada pelos comentários lá no blog.
Sei que a Emília está perto de chegar, então desejo que você tenha todo o tempo que planejou só com ela. É a melhor decisão mesmo. Já vi gente que aproveitou a licença-maternidade para terminar uma tese de mestrado, estudar para concurso, etc. Eu não. Essa licença é só para curtir esse momento. Você está certíssima.

Lu Iank disse...

Oi Lia
Linda carta para Emilia. Tenho certeza de que ela vai se orgulhar muito da mãe que terá. Eu acho que essa é a grande sacada da maternidade: fazer com que nos tornemos pessoas melhores, encarando nossas qualidades e nossos defeitos de uma forma mais realista.
Bjs
Lu

Patricia disse...

Lia,
a maternidade muda a gente de um jeito que você não imagina. Eu era essa menina responsável. Trabalho é trabalho. Casa é casa. E aí veio Mariana. E falta tempo para o trabalho. Falta tempo para a casa. E mesclar as duas coisas não foi tão ruim. Porque tudo, Lia, tudo, ganha uma dimensão tão menor quando se é mãe, que casa, trabalho, marido, buraco na camada de ozônio, tudo passa sem a gente perceber muito.
Não sei com será com você. Mas comigo foi assim. Minha vida ganhou outra perspectiva e muuuuuuuito mais leveza..
Veremos o que pequena Emília mudará na Lia que você conhecia até hoje.
beijos!!

Lia disse...

Pat, eu também espero que ela venha me mudar. Mas um dia ela vai crescer, e tenho medo de essa leveza infantil suma com a maturidade dela. E aí ela vai precisar de uma filha, e eu de uma neta, pra fazer voltar tudo isso...
Enfim, espero pode aprender com ela de vez. Espero que essa transformação, se não for completa, pelo menos seja duradoura.

dannah5 disse...

Lia, amei a carta, linda linda!
Acho que a Emilia vai te ensinar a ser diferente, nem 8 nem 80, pode ter certeza. Eu sou seu oposto, sou mais romantica e menos pratica, as vezes me perco na fantasia e por elas eu aprendi a ser ponderada.
Sempre fui durona so comigo, agora sou com elas tbm, pq amo demais e prefiro ser eu a ensina-las as coisas dificeis do mundo, pq sei q farei por amor. Pode parecer loucura ( nao falo de abuso nao, pelamordedeus!!!), mas na minha cabeça faz sentido e logo fará pra vc tbm.

Não me reconheço muito do q era, mas pelo menos mantive um certo ar infantil, e isso eu gosto pq me permite entender um pouquinho melhor o mundinho delas.

Posso falar horas e ainda assim nao tem como explicar fielmente como muda a gente o momento em q eles nos fazem mae!hehe

beijocas!

Kelly Resende disse...

Que linda sua carta, Lia! Sempre fico pensando em escrever pra Clara, mas acabo não fazendo isso. Vc fez de forma emocionante.
Hoje busquei o berço que comprei de uma amiga, é lindinho! Agora é esperar a comoda e a poltrona. Que bom que fiz uma boa compra (a poltrona), estava em duvida.
Abraços

Livia Luzete disse...

Pôxa Lia,vc me fez chorar!Quem lindo!!!!!
Vim agradecer pelo comentário no Mammysblogs pelo texto que está concorrendo no Escreva Lola escreva. Daí chego aqui e me deparo com esse texto e tudo o mais de seu lindo blog! Ah! Já estou te seguindo! E que Emília chegue logo para poder curtir essa mãe (como todas bobas..rsrs) e linda em todos os sentidos.
Parabéns a Emília!!!
Beijo.

Anônimo disse...

Linda carta.
Sensacional que vocês possam a ler juntas, daqui alguns anos.
Gente, e falta, que? 2 semanas?!! Eba!!!
Beijos!

Val disse...

Tõ chorando até agora...
Linda declaração de amor...
Bjos

Christina Frenzel disse...

Lindo, lindo, lindo!

Adorei.

beijos

Sílvia Amélia disse...

Lia, que saudades eu estava de vir aqui no seu blogue ler essas coisas lindas do coração! beijos

Maura Fischer disse...

Linda carta!


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