(Super mega longo, fora do cógido de ética da blogagem, mas não deu pra cortar em dois; perdia o sentido. Acho que depois dessa, só semana que vem!)
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Emília,
O que dizer pra você nesta hora? Que mamãe anda dormindo pouco e correndo muito, que estou cansada e que às vezes tenho vontade de chorar? Imagino você me olhando com sua carinha inocente, sem entender por que tanta pressa.
Eu mesma não entendo. Às vezes não sei por que trabalho, por que troco de apartamento, por que torno complicadas coisas que seriam tão simples. Como a própria palavra “complicado”. Eu tinha escrito “complexa”, que é quase a mesma coisa, mas lembrei que essa palavra podia ser complicada pra você. E troquei por "complicada".
Dizem que antigamente, no tempo dos seus bisavós, as pessoas faziam menos coisas. As crianças iam pra escola só com uns 7 anos, pouca gente fazia faculdade e muitas mulheres não trabalhavam. Não tinha esse negócio de academia, aula de inglês, cursinho. Claro, também tinha muita criança que trabalhava, principalmente na roça. Sua avó Luzia mesmo trabalhou muito. Aprendeu a costurar ainda criança e com 17 anos já passava o dia fora de casa pra ganhar um pouco de dinheirinho pra poder viver. E ela estudou muito também, pra depois arrumar um trabalho menos sofrido e poder ter uma vida mais confortável. E foi por causa disso que eu pude estudar também e conseguir o meu trabalho, e é por isso que eu posso te dar uma casa, comida, roupas e pagar os médicos.
Então dizem que é por isso que a gente trabalha: pra poder ganhar dinheiro e comprar todas essas coisas. É como uma troca, sabe, Emília? A gente faz alguma coisa pros outros (a gente chama os outros de “sociedade”, ou “comunidade”) e os outros fazem alguma coisa por nós. Por exemplo: se você é um garçom, você serve a comida pras pessoas; se você é advogado, você ajuda seus clientes a se defenderem de alguma injustiça ou a brigarem pelos seus direitos; se você é médico, você cuida da saúde dos seus pacientes. Aí nós pagamos essas pessoas e essas pessoas pagam outras pessoas pra fazerem outras coisas pra elas, e alguém nos paga pra fazermos o nosso trabalho também.
Hoje a mamãe trabalha pro Governo. Eu escrevo cartas pras pessoas respondendo às dúvidas que elas têm sobre as coisas que o Governo faz. Aí o Governo me paga, com o dinheiro que todas as pessoas (a sociedade, lembra?) dão pra ele. Todo mundo paga um pouquinho de dinheiro pro Governo oferecer os serviços públicos (as ruas da cidade, as escolas e os hospitais públicos, a polícia...), sabia? Até a mamãe, que recebe dinheiro do Governo, devolve uma parte pra ele depois. É assim que funciona, o dinheiro fica rodando por aí, passando de mão em mão, enquanto as pessoas vão trabalhando umas pras outras.
Então o trabalho era pra ser uma coisa legal, uma troca saudável de favores. Acontece que a gente também tem de cuidar das nossas coisas, e não só das dos outros, não é, meu amor? Por exemplo: se eu passasse a minha vida mandando cartas do Governo pros outros, quando é que eu ia poder cuidar de você, te dar de mamar, te dar banho? E quando é que eu ia poder passar tempo com o seu pai, abraçar, conversar? E quando é que eu ia poder descansar também e fazer as coisas de que gosto, como passear no sol, nadar ou ler um livro?
Pois é. Nos dias de hoje, a gente tem de trabalhar o dia inteiro pros outros e sobra muito pouco tempo para viver a nossa vida. Tem gente que trabalha menos. Mamãe queria trabalhar menos. Mas, sabe, Emília? Pra trabalhar menos, você tem de achar uma pessoa que aceite te pagar pra trabalhar menos. Tem gente que diz: “Você tem de trabalhar 8 horas por dia. Se você quiser trabalhar só 6 horas, vou ter de chamar outra pessoa e você vai ficar sem trabalhar.” Mas não era só pagar menos dinheiro e te deixar trabalhar menos? Pois é, eu também acho. Mas não sei por quê, não é assim que funciona. Então eu tenho de trabalhar o dia inteiro porque senão eu não vou poder trabalhar nada, e não vou ganhar nenhum dinheiro.
Toda essa explicação sobre dinheiro e trabalho é pra te dizer que mamãe anda pensando muito na vida e querendo arrumar um jeito pra passar mais tempo com você e o papai. É que muitas vezes a gente trabalha mais pra ganhar mais dinheiro. E nem sempre a gente precisa de todo esse dinheiro pra viver bem. Por exemplo: seu pai também trabalha. Se a gente ficasse só com o dinheiro dele, pode ser que a gente conseguisse viver com menos coisas, mas com mais alegria. Porque a felicidade não vem das coisas, mas das pessoas.
Acontece que a mamãe também gosta de trabalhar. Claro, ficar com você é muito melhor. Mas é como a escolinha: é muito legal ficar em casa brincando, mas se você ficasse em casa o dia todo ia ser muito chato. Na escolinha, você faz amigos e aprende coisas. É a mesma coisa com o trabalho. É legal fazer alguma coisa interessante, que você goste de fazer e faça bem. A mamãe, por exemplo, quer ser tradutora. Os tradutores pegam um texto em uma língua estrangeira (eu gosto do francês) e escrevem na língua deles. Ou pode ser o contrário: pegar um texto em português e passar pra outra língua.
Você vai pensar: “Mas mamãe, você é muito velha pra não ser ainda o que você queria ser quando crecesse!” Mas é assim mesmo, bonequinha. Às vezes demora um tempo pra gente conseguir fazer o que quer. A gente pode ser adulto e ainda querer ser outra coisa quando crescer. Mesmo já sendo crescido.
Não sei se essas coisas te interessam agora, mas vão te interessar um dia. Sua mãe é uma pessoa muito agitada, que gosta de fazer várias coisas ao mesmo tempo e tem medo de ficar para trás. Mas isso nem sempre é bom, porque a gente se cansa e acaba não sendo uma pessoa tão legal praqueles que a gente ama. Por isso queria que você se lembrasse desses conselhos quando você estiver na dúvida sobre seu futuro.
É importante ser responsável e não é certo pedir ajuda pros outros por preguiça ou pra fazer algo que nós mesmos podemos fazer, porque isso cansa os outros. Mas também a gente não precisa fazer tudo sozinha. E é importante trabalhar e ganhar você mesma seu sustento, porque senão alguém vai ter de trabalhar por você. Mas ninguém precisa trabalhar mais do que aguenta, principalmente se isso atrapalha sua vida familiar. Você também não precisa trabalhar demais pra ter muito dinheiro, porque não vale a pena. É claro que é muito triste não poder pagar um médico e ter de ficar na fila do hospital público, ou pior: não poder comprar comida. Mas ter dinheiro pra pagar um médico ou comprar comida é muito mais simples do que ganhar muito muito dinheiro pra comprar um carro importado ou uma casa com piscina.
E, o mais importante: você pode rever sua vida a qualquer momento e tentar seguir outros caminhos. Nem sempre é fácil. Se você resolver não estudar, por exemplo, pode ser muito difícil depois voltar atrás se você mudar de ideia. Mas você pode perfeitamente ser responsável sem toda essa pressão. E é isso que mamãe está tentando fazer: achar esse equilíbrio.
Não sou perfeita, meu amor, e você também não precisa ser. O importante é tentar melhorar a cada dia e fazer o que é certo, sempre pensando nas pessoas que a gente ama. E como eu tenho pensando em você!
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Há 2 meses
11 comentários:
Quando Emília aprender a ler, ela vai adorar!
bjs
nossa, eu achei sensacional. Tenho pensado muito nisso também, nao só pelo futuro e sonhado baby, mas pelos que já estao por aqui comigo, como o maridón.
A Emília terá muito orgulho da mommy que tem, com certeza!
beijao
Que carta mais linda. Tenho certeza que ela vai adorar ler quando crescer!
Essas decisões são muito complicadas mesmo e só cada um pode avaliar o que é bom pra sua vida e sua família. Eu optei por deixar o trabalho de lado enquanto os pequenos forem pequenos e com isso, optamos por viver com menos dinheiro e mais alegria como vc mesma disse. Só que essa situação não vai ser pra sempre e tenho medo de não conseguir me recolocar, não conseguir voltar...
De qualquer forma, uma coisa de cada vez: agora é hora de curtir os pequenos e a escolha que eu fiz.
Espero que vc consiga encontrar o equilíbrio que a gente tanto sonha.
beijo grande, Re
É Lia, não é fácil ser uma mulher moderna.
Assim como a Renata, eu também vou parar de trabalhar depois da licença.
Houve uma época em que eu ficava bem angustiada quando pensava nesta possibilidade, mas hoje, sinceramente, me sinto bem preparada para tomar esta decisão.
Tomara que você encontre serenidade na opção que você vai fazer, independente de qual seja!
Beijão,
Emília, Emília...essa sua mãe é mesmo muito sensacional! Sorte a sua pequenininha, que tem alguém que se preocupa com o seu bem estar mesmo antes de você nascer.
Lindo Lia.
beijos.
Lia. Você será uma excelente mãe, eu acho.
Essa carta é o verdadeiro legado da sua filhota.
Lia, eu também estou em busca deste equilíbrio. Acabei de mudar de emprego para ter mais tempo com a Ciça. Como vc, busco incessantemente o sonhado emprego de meio-período, estou chegando lá. Não quero ser rica, não me importo com carro do ano, casa assim assado, mas, mesmo assim, tenho dificuldade de parar de trabalhar, porque também gosto de ter um emprego, uma vida fora de casa. É difícil pra caramba conciliar, mas eu acho que se a situação aqui fosse melhorzinha, eu parava no primeiro ano dela - com a Ciça não foi possível porque Bernardo estava estudando para concurso (o que foi bom, porque estava sempre em casa), mas eu trabalhei beeem menos, flexibilizei por minha conta e risco. Entrava mais tarde e saía mais cedo. Corria o risco de ser demitida? Corria. Mas corria o risco de eu não ver a minha Ciça desabrochar.
Lia! Oi! Vim aqui retribuir sua visita e dou de cara com essa carta MARAVILHOSA prá Emília! Tenha certeza que ela vai servir muito para sua pequena! Como serviu prá mim agora. Também tenho pensado nas mesmas mudanças que você relata no texto. Será que tá na hora?! Hum...
Vou te acompanhar tá!
Beijo!
Dani
Querida, vc recebeu direitinho o convite do site?
beijinhos, RE
Sabe... fico lendo esses posts sobre a vida corrida que levamos e realmente acho que a gente deve curtir mais os bebês e trabalhar menos mas... e o din din? e como dar o melhor do melhor do melhor pros nossos filhos??? Sei lá... o melhor é a nossa presença? O melhor é uma excelente escola? Um monte de brinquedos? affff... é dura essa vida de mãe... vc vai chegar lá e vai sentir isso mais aflorado ainda!!! Boa sorte!!!bjs
Ah, este é só mais um dos dramas femininos. Trabalho Vs. Família. Eu já escrevi sobre isso no meu blog... acho que em "Procurando Billy" e a "Rainha do Lar". Vivo nesse dilema... Hoje em dia eu estudo (mestrado) e trabalho só uma vez por semana. Estaria perfeito se eu ganhasse um "pouco" mais. Oh céus...
Eu adoro esse jeito de escrever por filho. Depois de conhecer o blog da Pat (para Mariana) estou morrendo de vontade de começar tipo um diário pra minha filha, mas em papel mesmo, só pra ela. Ontem vi no shopping um MOleskine, sabe aquelas cadernetas? Tô coçando de vontade de ir lá comprar.
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