sexta-feira, 26 de março de 2010

Carta para Emília - Quando você crescer...

Ainda grávida, depois de saber que era você que eu estava esperando, via crianças na rua e pensava em você. Via as menininhas de pouco mais de um ano, com o andar desajeitado, e imaginava você nessa fase. Via crianças um pouco maiores, brincando nos parquinhos, andando de bicicleta, e pensava em você. Mas não eram só as crianças que me faziam imaginar como você seria. Quando via meninas de doze, treze anos, ou até adolescentes andando pela rua de mãos dadas, tênis, shortinho, conversando bastante, pensava em você também.

Esta carta, Emília, é para quando você estiver nessa fase linda e difícil.

Parece que faz pouco tempo que era eu, caminhando na rua à tarde num dia de semana, indo para a casa de alguma amiga. Depois que a infância acaba, o tempo começa a correr de outro jeito. Quando a gente é criança, dá pra se sentir meio Peter Pan. Parece que aquilo nunca vai acabar. A gente não “está” criança. A gente “é” criança, assim como a gente é mulher e vai sempre ser assim.

Quando escrevo este texto, você está ao meu lado, dormindo no seu carrinho, só de fralda porque faz calor. Você ainda é carequinha, não usa brincos, mas já tem um jeitinho delicado de menina.

Desde que você foi concebida, sempre pensei na sua vida como um todo. Desde agora, quando você ainda é um bebezinho, até os 90 ou 100 anos que você vai viver, quando eu já não estarei aqui para te acompanhar. Logo você vai engatinhar, e depois andar. E no próximo ano certamente vou ouvir suas primeiras palavras. E vamos fazer todas aquelas coisas que os pais sonham em fazer com os filhos: passear no parque, ir à praia, ir ao teatro, ir ao clube.

Mas, quando eu menos esperar, tudo isso terá acabado e você será uma mulher. Antes que isso aconteça, você vai passar por uma fase de transformação. Aí vão surgir as dúvidas sobre quem você é. Você vai começar a buscar sua própria identidade, que não será nada que eu ou seu pai criamos para você, nem nada que as outras pessoas possam te oferecer. Vai ser algo que você vai descobrir sozinha e que vai te separar definitivamente de nós.

Não te gerei pra mim. Te gerei para que você siga seu próprio caminho. Durante alguns anos da sua vida, te conduzirei. Mas haverá um momento em que você vai soltar a minha mão e vai tomar a mão de outro, que vai andar ao seu lado.

Nesses últimos dias, você com dois meses de vida, me separei de você por algumas horas. Eu estava ali, na academia de ginástica na frente de casa. Dá pra ver da nossa varanda. Mas eu estava sozinha, pela primeira vez em quase um ano, sem barriga e sem você. Eu era uma pessoa como qualquer outra, que não chama a atenção. E você ficou em casa, com seu pai, e nem deu pela minha falta.

Não vou mentir dizendo que foi terrível. Não foi. Foi bom, na verdade. Suei, como não suava há 11 meses, e voltei pra casa renovada. Olhei pra você, e achei você ainda mais parecida com seu pai. Tomei banho e fui cuidar de você.

Ficar longe de você durante uma hora, a poucos metros de distância, é apenas um pequeno exercício para o que um dia será inevitável.

Depois que você nasceu, eu deixei de ser a pessoa mais importante do mundo para mim mesma. Sempre cuidei de mim, e só de mim. As pessoas que amo, seus avós, seus tios, seu pai, não dependem de mim. Já você, minha pequena, não sobrevive sozinha. Eu sou inclusive seu alimento. E agora é você antes de qualquer coisa. É você antes de mim. Interrompo a minha refeição pra te dar a sua. Interrompo o meu sono pra garantir o seu. Sinto dor nos braços pra te acalentar quando a dor é sua.

Você não vai se lembrar desses dias, assim como eu não me lembro de quando sua avó me ninava nos braços e cantava para mim. Mas esse amor vai ficar gravado pra sempre no seu coração, em algum lugar bem fundo que a nossa memória não consegue alcançar, da mesma forma que o amor da minha mãe por mim ficou marcado.

Hoje você sorri pra mim, vem pros meus braços sem reclamar e vai aonde eu te levo. Você jamais fica com raiva de mim ou triste comigo. É fácil. Mas, mesmo eu me dedicando inteiramente a você, você ainda não tem a capacidade de me amar de verdade, desse amor que às vezes fica mesmo bravo com o outro. Desse amor que vai durar mesmo quando a gente se desentender, mesmo quando eu te disser “não”. Mesmo quando a gente estiver longe, muito mais longe que a academia da esquina.

É maravilhoso ter você assim, pequenininha, e ver seu desenvolvimento. Mas não quero lamentar seu crescimento, como se estivéssemos perdendo alguma coisa.

Ultimamente tenho pensado muito em você. Você não vai ser sempre esse bebezinho dócil, e um dia vamos brigar. Mas, e daí? Amo você agora, esperando pelo dia em que você vai poder me amar de volta, espontaneamente.

12 comentários:

Tati Schiavini disse...

Lindo, lindo, lindo! Acho que todas as mães se pegam pensando no futuro, no que essa relação promete, mas na verdade só o tempo dirá. Por isso plantamos uma sementinha pra termos jovens bacanas no futuro. Curta muito sua florzinha! Beijos.
www.comtdetati.blogspot.com

Fabiana disse...

Que lindo, Lia!

Vc traduz oa sentimentos em palavras com destreza!
Eu gostaria muito de ter este dom!
Posso mencionar o texto no meu blog?

Lia disse...

Fique à vontade, Fabi!

Ana Paula - Journal de Béatrice disse...

Lia! Que lindo!! Termino com o no na garganta... Puff... Isso tudo que vc escreveu é a mais pura verdade e também expressa os meus sentimentos. Eh muito importante respeitarmos cada fase do crescimento e desenvolvimento dos nossos filhos. Acredito que tudo seja um aprendizado de mão dupla. Se é a fase de colo e peito, daremos; se é a de vibrar com os primeiros passos, estaremos la para aplaudir; se é hora de dizer não, havera questionamentos. Mas em tudo, havera amor, sempre. Confesso que ainda tenho que me preparar psicologicamente para a fase mais crescidinha (ai ai, os namoradinhos!!!!...), mas acredito que tudo que plantamos hoje, com muito amor e conversa reverterão nos frutos do amanhã : ) Beijos e otimo final de semana para vcs!!!

Renata disse...

Parabéns, Lia. Mais um texto lindíssimo que a sua gatinha vai amar ler quando crescer!
Um beijão

Cíntia disse...

Apenas chorando, chorando, chorando. Parabéns!

Paloma Varón disse...

Lindo texto, Lia. E é impossível não olhar outras meninas mais velhas e imaginar nossa filha nesta idade, né? E eu tenho vontade de acolher todas elas.
Adorei a visita de vcs, a aulinha básica de sling e as roupitchas, que logo estrearei! Obrigada!
Beijos

Carol disse...

que liiiindo.
outro dia achei uma carta da minha mãe pra mim (que foi escrita há muito anos), mais ou menos assim como a sua pra Emília. E te digo: é linda e fez todo sentido e cada vez que eu leio me fortalece.

A Emília vai amar ter esses registros, tenho certeza!

beijão

Adriana D. disse...

Isso isso isso!
Tudo isso mesmo. Estes dias andei pensando nas prioridades dela e sobre quando eu já não estiver aqui.
bj

Christina Frenzel disse...

Lia, que texto mais lindo, parabéns!!!


Beijos

Lia disse...

Meu nome também é Lia, moro em Bsb e tenho uma bebê de 11 meses chamada Alice. Escrevo para lhe "comunicar" que li seu texto, super me identifiquei, imprimi e risquei onde estava escrito o nome da sua fofucha Emília, coloquei Alice por cima (!) e colei no caderninho que mantenho com as minhas histórias de maternidade (blog old school)... hehe... não sem os devidos esclarecimentos de se tratar de uma outra mamãe-Lia. O amor é tanto que chega a doer, né? E os pensamentos sobre o futuro são inevitáveis... vc soube muito bem expressá-los. Bjos ;)

Micheli Ribas disse...

Adoro seus textos!
Deixei selinhos para vc no blog.
Um beijo!


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