quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Vida de adulto

Outra vez me deu vontade de escrever pra você, minha menina. Ainda não me disseram que você é uma menina. Amanhã vão me dizer. Vamos ver você pela terceira vez, com uma maquininha que vão passar na minha barriga. Vou ver todos os seus órgãos, seu coração, seus pulmões. Vou ver de novo suas mãozinhas se abrindo e se fechando, suas perninhas se sacudindo. Você se mexe bastante.

Li por aí que você já reconhece a minha voz, e que por isso eu deveria conversar com você e cantar pra você. Parece que você também sente quando eu faço carinho na barriga. Confesso que ainda acho um pouco estranho conversar com você aí dentro, sem poder te ver, e sem você entender nada do que eu falo. Mas eu falo bastante com os outros, e imagino que você goste de ouvir minha voz nessas horas.

Penso em muitas coisas que queria te dizer, mas espero os momentos em que essas coisas saiam naturalmente. Não quero conversar com você só porque as revistas dizem que isso faz bem pra sua saúde. Não consigo inventar um papo bobo assim do nada. Mas hoje eu não tenho um papo bobo. Tenho muitas coisas no meu coração que quero dividir primeiro com você. Porque um dia você vai sentir todas essas coisas e vai gostar de saber que sua mãe também passou por isso, e que todos esses sentimentos fazem parte da vida.

Quando a gente é pequeno, nossos pais cuidam de nós. Não precisamos nos preocupar com o alimento, com as roupas, com a casa. Se aparece um problema – o carro quebra, a lâmpada queima ou a escola fica mais cara –, eles resolvem tudo pra nós. Sei que também não é fácil ser criança. A gente tem medo de muitas coisas que depois a gente descobre que não são de nada. Quando eu era pequena, por exemplo, tinha medo de uma vaca de plástico que era também uma sanfona e que fazia “muuuu”. Também tinha medo de que a lua caísse em cima da Terra. Depois quando a gente cresce a gente vê que nada disso pode fazer mal nenhum, mas quando a gente é criança tudo parece muito mais assustador. E isso é muito ruim, eu me lembro bem.

Mas os adultos também têm medo. Porque eles têm tantas coisas pra resolver, e tantas coisas acontecem diferente do que eles planejam, que eles ficam cansados. Hoje em dia as pessoas usam a palavra “estressado”. É quando a gente tem que fazer várias coisas ao mesmo tempo e fica cheio de preocupações. Semana passada, por exemplo, seu pai e eu íamos nos mudar pro apartamento novo. A gente pediu pros homens da reforma fazerem ele todo colorido, alegre, pra você e seus irmãos brincarem muito. Só que não deu certo, porque não terminaram o chão da casa. Quer dizer, o chão está lá, mas não está bonito, sabe? Aí vamos ter de arrumar alguém pra deixar ele bonito antes de trazer todas as nossas coisas. Porque senão as coisas ficam em cima do chão feio e depois não dá mais pra consertar o chão.

Aí, Emília, a mamãe ficou muito triste sem saber se o chão ia voltar a ficar bonito e sem saber quando a gente ia poder mudar pra casa nova. Esse negócio de reformar uma casa é muito complicado, sabia? Olha só por exemplo as portas: pra conseguir abrir as portas, tem que ter uma maçaneta. E pra lavar as mãos? Tem que ter pia e torneira. Tem que ter também armários pra guardar as coisas e cortinas pra poder dormir no escurinho. É muita coisa, não é? Pois tudo isso a gente tem de comprar ou mandar fazer. E tudo custa dinheiro, e a gente tem que trabalhar bastante pra conseguir comprar as coisinhas do jeito que a gente quer. E às vezes as coisas não ficam como a gente queria. E a gente fica triste.

Estou te contando essa história porque um dia você vai passar por essas coisas e vai se sentir assim também. Pode ser que um brinquedo que você adora caia no chão e se quebre. Ou um dia você vai começar a dirigir e alguém vai bater no seu carro e ele vai ficar amassado, e você vai ficar triste. Ou pode ser que você conheça um menino que você adore, e vocês comecem a namorar, e um dia ele te diga que não quer mais ficar com você. Todas essas coisas fazem a gente chorar.

Mas sabe, Mila? Às vezes eu fico pensando se todas essas coisas não são como aquela minha vaca de plástico, que só faz um barulho assustador mas que não morde ninguém. Ou como a lua lá no céu, que você não entende como pode ficar lá pendurada mas que os cientistas garantiram que não cai aqui na Terra de jeito nenhum. Quando a gente é criança, aquilo dá o maior medo do mundo, e o medo é real. Mas um dia a gente vê que aquilo não pode nos fazer nenhum mal de verdade.

Hoje que sou adulta, e estou com você na minha barriga, fico com muito medo quando as coisas dão errado. Penso que o chão vai ficar feio pra sempre, ou que a gente nunca vai conseguir ir pra casa nova. Mas alguém mais adulto e mais sábio que eu vai dizer que nada disso é sério, e que tudo vai passar. Era só uma vaca de plástico quando eu era pequenininha, e agora é só um chão. A gente tem um lugar pra morar, e tem comida pra comer. Eu e seu pai nos amamos, e você cresce a cada dia. Amanhã vamos ver como você está perfeitinha, e vamos poder dizer pra todo mundo que era mesmo você dentro de mim, e que seu nome vai ser Emília.

Então, meu amor, quando as coisas não acontecem como a gente planejou, é normal mesmo ficar triste e chorar, e sentir medo. E você às vezes vai achar que aquilo é o fim do mundo. Mas não é. Olhe para as pessoas que te amam e você vai ver que nada disso era realmente importante. Era só uma vaca de plástico. E a lua não vai cair na terra.

(Escrevi esse texto ontem. Hoje fiz o ultra. É a Emília mesmo)

12 comentários:

Renata disse...

E agora, como é que eu faço pra parar de chorar? Que coisa mais linda!! E é mesmo só um chão, né?? Acha que a Emília está preocupada? Que nada, ela está aí toda quentinha e perfeitinha na casinha mais deliciosa do mundo!
Parabéns pela princesa! beijos, Re

Luíza Diener disse...

"era só uma vaca de plástico. e a lua não vai cair na terra."

amei, lia!

mais uma vez, parabéns pela emília!

Roberta Lippi disse...

Lindo, lindo!
Parabéns Lia e que a Emília seja uma menina muito saudável e muito feliz, mesmo com todos os medos e desafios que ela vai enfrentar.
Beijos e parabéns!! É bom demais ter uma menina, você vai ver!!

Paloma Varón disse...

Lia, te escrevi um e-mail parabenizando pela Emília (adorei! mais uma amiguinha para a Ciça) e só agora vi o seu texto. que lindo! Por sorte, Emília não está preocupada com o chão (tudo vai se resolver, menina), só quer saber de crescer e engordar. E quando ela ler o seu lindo texto, vai ter muito orgulho da mãe que tem e vai aprender com vc a lifdar com os medos dela.
Beijo grande nas duas!

Patricia disse...

Chorei, chorei, chorei. Emília vai ter uma mãe e tanto! beijos!

Brenda Ortiz disse...

Lia, que texto lindo! Parabéns! A Emília vai gostar muito de poder ler tudo o que você escrevia pra ela, quando ela ficar grande. E que Deus te dê sempre essa calma e essa sabedoria pra lidar com os problemas.
Bjus

Unknown disse...

Oi Lia, que texto lindo! Parabéns pela Emília!
beijos

Tathyana disse...

Que lindo texto, que linda a Emília. Parabéns e que venha com muita saúde.

Bjssssssss

marina guimarães disse...

desejo que Deus os ajude a criar emília pra ser corajosa, apaixonada por Cristo, equilibrada, sensível, criativa e tantas outras coisas.

Thaís Rosa disse...

afe, desse jeito vc me mata... dois posts emocionantes desses, assim de uma vez... será`que consigo parar de chorar e levar o caio pra escolinha???
parabéns pela emília!!!!!
beijo

Lili disse...

que lindo lia! tem q escrever um livro. sério mesmo. não lembro se já comentei aqui... mas eu sempre leio e acho fofo! parabéns pela nenem

=* Lili, amiga de bel da unb.

Adèle Valarini disse...

Muito lindo. A Emília vai adorar ler isso um dia


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