Dentro do meu ventre, habita um mistério. Uma criança em formação, pequena demais para sobreviver em outro lugar. Respiro e me alimento por ela. De mim ela obtém calor e proteção. Mas é sozinha que ela cresce.
Digo sozinha porque nada preciso fazer para que ela ganhe coração, pulmões, estômago, olhos, boca, pernas, braços. Apenas espero, enquanto esse trabalho divino é realizado dentro de mim sem que eu precise me esforçar.
Assim quero que meu filho permaneça durante toda a gestação e o parto: em paz. Cuidado por Deus, protegido pela fé. Quanto a mim, apenas aceito essa missão, essa bem aventurança, que é abrigar um milagre. E, em alguns meses, deixar que esse milagre venha ao mundo, me abrir para que ele saia, assim como foi gerado durante todo esse tempo: sozinho.
Um bebê, dentro do útero, é completamente dependente. Exatamente por essa razão, ele tem a possibilidade de ser completamente feliz. Porque ele descansa. O oxigênio vem, os nutrientes vêm, e ele não espera que seja diferente. Se for, se um dia o ar ou o alimento não vierem, ele será pego de surpresa e não terá sofrido antecipadamente.
Conosco é diferente. Não esperamos que nada venha. Temos de buscar todo o necessário para a nossa sobrevivência, trabalhar, suar. Se acreditamos em Deus, nos esquecemos de que Ele existe. E, na nossa ansiedade, não deixamos nosso bebê descansar. Por ele, nos preocupamos. Por ele, tememos que amanhã não venha o pão, imaginamos se todo aquele trabalho que é realizado sem as nossas mãos será bem feito. Ele terá dez dedos? Terá cromossomos sempre aos pares? Estará crescendo adequadamente?
E intervimos.
Com a nossa inteligência, desenvolvemos tecnologias capazes de curar doenças e salvar vidas. E isso é bom. A saúde é boa, a vida é boa. É dever nosso protegê-las, especialmente quando se trata de nossos filhotes. Mas... o controle muitas vezes nos foge.
Muitas coisas podemos fazer. Muitas, não. Reverter a trissomia de um cromossomo, fazer crescer um cérebro onde não há um, ressuscitar um embrião que não pôde continuar seu desenvolvimento. Por isso há coisas que chamamos de milagres.
Dentro do meu ventre, habita um mistério. Uma criança cujo sexo, o peso, as dimensões eu desconheço. E alguém me dirá que eu poderia conhecer tudo isso. Por um exame que se chama ultrassonografia.
A ultrassonografia é uma tecnologia quase poética. Ela dissolve a imagem das paredes uterinas e consegue penetrar em lugares profundos, por tanto tempo desconhecidos, e visitar o bebê antes que chegue o momento de ele vir à luz. E ela é capaz de fornecer importantes informações para a segurança da gestação e do parto: se a placenta está bem inserida, se o feto possui alguma má formação que demande atendimento especial no momento do parto, se ele está crescendo adequadamente.
Parte desses segredos sempre foram conhecidos pelas parteiras, porque se insinuam sobre a superfície da barriga da mãe. Pelo tamanho do útero, pode-se verificar se o bebê está crescendo adequadamente. Pelo seu formato, identifica-se a posição do feto – se está de cabeça para baixo, com as costas para a direita ou para a esquerda... Com um pequeno cone de madeira, podem-se ouvir os batimentos cardíacos do bebê. Mas com a invenção da ultrassonografia, muitos profissionais da obstetrícia perderam essas habilidades. E tudo confiam à máquina.
Quando a tecnologia é boa? Quando é necessário adentrar o domínio secreto da geração de uma nova vida? Quando o objetivo é preservá-la, e não apenas observá-la.
Da primeira vez que me vi grávida, fui tomada de um profundo respeito. Não quis incomodar minha filha. Mas ainda não sabia exatamente quais exames contribuíam de fato para a segurança da gestação e quais eram apenas indicações rotineiras dos médicos. Desta vez, sei. E sei que a tecnologia não apenas não garante 100% de segurança (não há garantias quando se trata da vida), como, em muitos casos, pode até diminuir essa segurança.
Escolhas. Disso é feita a vida. E buscamos aquelas que nos deixam em paz.
Minha paz? Preservar esses mistérios. Fazer tudo o que posso, mas deixar de tentar controlar o que não posso. Ter fé. E descansar.
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Há 2 meses
23 comentários:
muito bom o seu post Lia! como mamãe de 1a viagem quero muito que vc compartilhe tudo que vc sabe sobre esses exames, gestação e etc... Muito obrigada por esse blog tão rico e abençoado! bjs
Quando fiz a segunda ultrassom do Rafa com 8 semanas, estava super ansiosa já que tinha vindo de um aborto espontâneo e na primeira ultra com 6 semanas não conseguimos visualizar o embrião, portanto pedi ao médico para ouvir o coração. E ele me disse que NÃO. Porque o embrião era muito pequeno e que existia uma corrente americana que condenava essa prática em embriões tão pequenos, podendo causar aborto. Não entendi muito bem a explicação dele, mas confiei de que estaria tudo bem e baixei a minha bola.
Muita paz pra vcs nessa jornada divina. Bjs.
Fazes muito bem! Nada de cutucadas, empurrões, espreitadas. É um lindo mistério e poucas pessoas entendem o quão bom é deixar que siga sendo isso, um mistério.
Bjs
Sabe que lendo os seus últimos posts dá pra sentir mesmo que está em paz, tranquila e segura de suas escolhas.
Te admiro muito e só posso desejar que vc continue assim, em paz!
beijo enorme, cheio de carinho!
Re
óin.... só consigo pensar: "nao sei como tu aguenta" mas te admiro, sempre, sou tua fa :) eu se pudesse comprava uma maquina de ultrassom p ter em casa, oooo curiosidade
Oi Lia, eu vi o comentário da Tchella e faço as palavras dela como minhas: não sei como vc aguenta! Mas acho muito legal essa sua maneira de encarar e levar a gravidez, assim como a forma tranquila como vc cria a Emilia.
Beijos
bem legal esse post, Lia. Porque as ultrassonografias são a pontinha do iceberg, né não? Se conseguimos passar sem elas, passamos sem todo o resto. A não ser que seja REALMENTE necessário.
Nessa segunda gestação, infelizmente, fiquei mais insegura que na primeira, não sei porque. Eu e Dani concluímos que ficamos mais velhos, que ser pais nos trouxe algum "coeficiente de cagaço", sei lá. Fiz as 3 ultra que minha médica pediu (uma pra ver idade gestacional, já que na gravidez do caio tive uma falsa menstruação e a dpp estava errada em um mẽs; a da translucência e o morfológico), mas poderia, certamente, ter passado sem duas delas, pelo menos (porque o sexo eu queria saber de qualquer jeito... rá!). Mas minha médica já me disse que, se eu não quiser, não faço mais nenhum até o fim da gestação. E, se estiver tudo bem, assim será.
Ela é bem ponderada nesse sentido, e já vi várias palestras em que ela coloca que os riscos e incômodos do ultra para o bebê ainda não são totalmente conhecidos. E é a pura verdade. Enquanto isso, muitos médicos têm o aparelho no consultório, e dissecam esse belo mistério a cada consulta...
Meu pior trauma na gestação passada foi ter sido submetida a um exame de cardiotocografia às vésperas de completar 37 semanas, um dia antes de minha banca de mestrado. Como se não bastasse uma, deram três buzinadas na minha barriga, e surtei por ter permitido fazerem aquilo comigo e com meu bebê. Mas isso foi decisivo nos rumos do meu parto e, de certa forma, também nos caminhos da humanização por aqui, pois o episódio (e nossa reação a ele) mexeu fundo com minha GO... Mas isso é outra história.
Menos tecnologias invasivas, mais mistério: que bom seria se pudéssemos reencantar o mundo, como diria Walter Benjamin...
beijo e siga na paz!!
Respeito pelo mistério e fé. É isso que move a vida. Amei o post!
Bjos,
Camila
www.mamaetaocupada.blogspot.com
Na minha primeira fui muito tranquila. Acho se tivesse o segundo seria mais ainda.
Com o tempo a gente vai aprendendo a não lutar pelo que não pode ser mudado ou evitado.
E valorizamos muito mais a tranquilidade né?
Bjs!
Lia, a forma como vc vem descrevendo a sua gestação, o respeito pela vida dentro do seu ventre, a sua interiorização e reflexões me deixam emocionada. Eh tão bom quando a gente vive esse momento unico de gestar, usando a sabedoria materna, seguindo o seu instinto e, acima de tudo, respeitando o bebê no seu espaço seguro. Li um post daquela minha amiga que é doula, que te falei no post da lactogestação, em que ela fala do empoderamento. Estou vendo em vc a mulher empoderada!
Se tiver um tempinho da uma passadinha no blog da AOBA, da Luciana. Mais uma dica para vc seguir com firmeza nos seus propositos.
O link é esse aqui:
http://aobabebe.blogspot.com/
Beijos e otimo final de semana!
Nada como poder descansar e confiar em Deus né?! Muita saúde para esse bebezinho novo, e uma gravidez bem tranquila!!!
Bjus
Sempre leio o blog...desde que me descobri grávida,agora estou com 30 semanas...nunca comentei antes...mas dessa vez queria deixar registrado que Deus falou muito comigo através do seu post. Principalmente a parte que vc fala de como o bebê descansa, pois sabe que será nutrido e cuidado. Assim deve ser nosso relacionamento com Deus...de descanso e paz,por saber que Ele cuida de nós...Que Ele continue abençoando sua família. Abraços
Lia, sabes que sou tua fã né? Adoro o jeito que tu escreve, as tuas opiniões e tuas idéias, mesmo quando penso diferente. Nesse tema entanto penso como tu. Sabe que eu trabalho em centro obstétrico né, com aparelho de ultrassom(aqui chamamos de ecografia ou simplemente eco) à disposição. As médicas plantonistas viviam oferecendo para dar uma espiadinha no bebê. Nunca cedi. Dizia à elas: deixa a cria quieta crescendo. Sei que não faz mal, mas qual o benefício que ELA teria com isso? Um grande beijo.
Lia, que texto lindo! Estou encantada com o blog, com seus textos, com sua serenidade e lucidez.
E somos conterrâneas. =)
Beijo
Sabe que eu nunca tinha parado pra pensar nisso de não incomodar nossos bebês? Afinal eles estão ali tão seguros e protegidos, confortáveis. Alguns exames como a Thais citou, chegam a ser agressivos.
Ótimo texto! Na proxima gestação vou refletir mais sobre isso e nosso papel como mãe e "encubadora"
beijos
a gente acorda numa segunda de manhã... e apreeeeende! e refleeeete!
você tem toda a razão e direito de escolher por preservar esse mistério!
lindo, admirável e único. o mistério e sua escolha!
Eu não teria passado tranquila pela minha primeira gravidez sem os ultras. Uma novata, ignorante de muitos muitos aspectos da gestação/ maternidade. Os ultras me acalmavam a cada ameaça, sangramento, perda...
Mas penso sim que para um segundo filho (acho que no meu caso o "coeficiente de cagaço" diminuiu) não quero mais essa invasão.
Não sei se seguro a curiosidade sobre o sexo...rsrsrs... mas de resto...
Se meu filho tiver qualquer coisa detectável por ultrassom será menos filho? menos querido? menos amado?... então deixa essa nóia para lá, né?
bjo bjo (admirados, ok?)
Quando eu leio seus posts Lia,
respiro fundo e consigo até sentir o cheiro
de paz, confiança, parto, dobrinhas, pasta de dente... VIDA.
Adoro :}
Acho que todos devem fazer o que lhe dá tranquilidade. Acertadissima sua escolha se é o que te acalma. Fui o oposto de vc em minha primeira gestação e assim serei nas demais. Mesmo o médico dizendo que não precisava, fiz um ultrassom por mês. Não me arrependo e não acredito, mesmo, que eu tenha incomodado meu filho. Acompanhei muitas gestações problemáticas e acho que isso me traumatizou....fiquei insegura e com medo. Mas, de toda forma, como disse, isso era o que me tranquilizava. Façamos o que nos deixará calmas e seguras.
Ótima reflexão. Sou obstetra e confesso que tem sido cada vez mais difícil ter "jogo de cintura" com a neurose das mulheres com excessos de exames. Acreditem, elas é que questionam se não é necessário fazer mais ultrassonografias, exames de sangue... Como médica, mulher e mãe entendo perfeitamente a insegurança das pacientes, o medo de perder o bebê, que algo dê errado, etc. Mas como você mesmo escreveu não há 100% de segurança, aliás, em nada na vida. O "controle" está nas mãos Dele.
Com tantas informaçÕes circulando as mulheres deveriam se sentir seguras e felizes nesta missão tão sublime.
lindo, lindo, lindo.
Inspirador.
Sinto que estou neste caminho. Muito, muito distante de alcancar essa tranquilidade, mas nao por isso seguindo por outro rumo. A primeira parte da minha gestacao foi muito tensa, agora está mais calma e to gostando demais de conseguir ser assim. Tomara que me leve prum finalzinho feliz, coroado com um parto cheio de calma e respeito.
mtos beijos!
segundo filho é outro esquema. quem sabe eu dê conta no meu próximo.
sabe o que é engraçado, lia? que eu nunca soube a data da última menstruação, então eles estimavam pela ecografia e deram uma certa idade gestacional pro benjamin.
enquanto isso, meu avô - médico velho calejado pelo tempo e pau pra toda obra - media a altura do meu útero com os dedos enquanto permanecia sentado na cadeira de rodas: "esse menino chega em agosto", enquanto que todas as ecografias previam setembro.
em quem eu confiei? no meu avô. quem acertou? o avô, claro.
mais que exames, o que conta é a verdadeira experiência. é saber examinar em todos os detalhes.
além, claro, da fé.
fé essa que espero ter tb na próxima gestação.
lia, te admiro cada dia mais. hilan me contou do que vc disse na classe no domingo e mais uma vez eu me enchi de orgulho por você.
bjo
Lia
eu estava decidida a não fazer mais ultrassons desnecessários (esses de rotina...) quando fiz aquele em que apareceu o baixo crescimento! aí precisei da tecnologia, fiz vários até que apareceu "diástole zero" do cordão umbilical e era hora de Teresoca nascer.
Mas realmente, diziam lá na ioga que o ultrassom é luz e barulho para o bebê, que incomoda, por isso eu estava querendo só fazer de novo se fosse necessário... como você disse, e eu concordo, a ciência existe para o que é necessário! para o demais, temos a natureza divina criada por Deus!
beijos
Lidia
cadeteresa.wordpress.com
Lídia,
O seu caso é um dos que eu tomo como exemplo para falar do bom uso da tecnologia, com indicação precisa. Sua barriga estava pequena; dizem que a fita é a melhor amiga do obstetra. Um crescimento da altura uterina abaixo do normal é uma boa indicação para uma ultrassonografia. E uma US que aponta baixo peso é uma boa indicação pra doppler.
Sem essas justificativas, o exame faz mais mal do que bem, principalmente o doppler, porque dá muito falso positivo (inclusive existe muito diagnóstico de falsa centralização fetal, conforme a Dra. Melania Amorim). Então a sua ecografia foi amiga, não inimiga. Tudo pode ser bom ou ruim, dependendo do uso que fazemos.
Bjos!
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