Houve um tempo em que eu via as pessoas fazendo coisas sem noção, depredando a cidade, e não fazia nada. Alguém jogava um papel no chão e eu me limitava a resmungar uns impropérios. Jamais pensaria em abordar o porquinho e lembrá-lo de que o lixo entope os bueiros e ajuda a cidade a ficar inundada nesse época de chuvas. E que há uma lixeira logo ao lado.
Até eu virar mãe.
+++
Para quem não conhece Brasília, no Plano Piloto os prédios são organizados em quadras (Superquadra é o nome oficial), que são mais ou menos como uma rua, só que quadrada. "Fulano mora na minha quadra" equivale mais ou menos a "fulano mora na minha rua", como se diria em cidades normais.
Cada quadra tem um espaço reservado para um parquinho infantil, público. Por isso eu ousaria dizer que Brasília é a capital dos parquinhos. Onde quer que você more sempre haverá um, dois, três, diversos parquinhos por perto. Alguns estão meio capengas, mas não é difícil achar boas opções caminhando um pouquinho.
Além disso, os condomínios de alguns prédios decidem construir seu próprio parquinho, no terreno destinado ao jardim. Mesmo estando na área do prédio, o espaço é de circulação pública e qualquer pessoa pode frequentar - não precisa ser morador.
Quando Emília nasceu, o parquinho da minha quadra era um banco de areia abandonado, com alguns brinquedos de madeira caindo aos pedaços. Tínhamos apenas o parquinho de um dos prédios para frequentar, pequeno, com o chão de cimento, mas ajeitadinho.
Mas ela ainda estava com poucos meses quando os moradores da quadra começaram a se organizar para reconstruir o parquinho. Criaram uma comissão, arrecadaram fundos, e nem bem Emília teve idade pra frequentar brinquedos maiores, lá estava o parque novinho à nossa disposição.
Paralelamente, pra nossa sorte, mais um dos prédios da quadra construiu um parquinho próprio, com o piso de grama, perfeito para crianças pequenas. Ficamos, então, com três parquinhos: um com chão de cimento, outro de areia e outro de grama, tudo a pouquíssimos metros do meu apartamento.
+++
Eis que consigo reunir minhas duas bebezucas num fim de tarde para irmos ao parquinho de grama - o meu preferido. Só levo Emília ao de areia - o preferido dela - quando o pai está junto, porque posso ficar com Margarida do lado de fora.
No caminho, passamos pelo parquinho de areia, que estava vazio - à excessão de três marmanjos que escalavam os brinquedos. Não pensei duas vezes:
- Ei, esse parquinho é das crianças!
Um dos rapazes se desculpou, quase me chamando de tia:
- Mas eu estou só subindo na grade!
- É, mas o seu colega ali está subindo no brinquedo. Esses brinquedos não suportam o peso de vocês. Tem uma placa aí na frente dizendo que é só pra crianças até 12 anos.
Eu ia acrescentar que se eles tivessem entrado no parquinho pela porta, em vez de pular a grade, eles teriam visto a placa. Mas achei melhor não pentelhar demais os moleques, já que eles obedeceram direitinho e desceram dos brinquedos.
Segui orgulhosa.
+++
E no fim de semana, fomos ao parquinho de areia. Emília se esbaldando, quando o Rafael resolve pegá-la no colo bruscamente e trazê-la pra fora do parquinho, onde eu estava com Margarida.
- Amor, vamos pro outro parquinho. Esse aqui está com cheiro de cigarro.
E a bichinha, balançando a cabeça:
- Não, ôto patinho não! Té esse patinho!
Do lado de fora da grade, mas praticamente dentro do parquinho, o pai de uma menina fumava tranquilamente seu cigarro, como se não houvesse umas dez crianças pequenas ali por perto.
- De jeito nenhum. Não vamos pro outro parquinho. Emília passa a semana inteira pra vir nesse, e no dia que você pode vir conosco um fumante nos expulsa?
- ...mas você vai lá falar com ele?
Óbvio, né?
- Oi, você pode fumar um pouco mais longe? A fumaça está indo toda pra perto das crianças...
O cara apagou o cigarro na mesma hora, já sabendo que não deveria nem ter acendido.
E eu, novamente orgulhosa, gostando dessa desinibição que a maternidade me deu.