quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Relato do parto de Margarida - Parte 4

Em trabalho de parto

Sua ira dura um momento; seu favor a vida inteira; de tarde vem o pranto, de manhã gritos de alegria.

Sl 30:5

Aquela sexta-feira terminou como sempre: Rafael deu banho em Emília e eu a levei pra completar o ritual do sono. Sequei, passei óleo, vesti, escovei os dentes e dei o mamá dela. Ela dormiu e fui tomar banho. Como costumava acontecer nas últimas semanas, seguiram-se algumas contrações depois da mamada.

Fiquei observando essas contrações até irmos pra cama, e ali pelas 21h resolvi ligar pra minha irmã. Tínhamos decidido não contar à família para não gerar tensões desnecessárias, mas precisávamos de alguém pra ficar com Emília. Então escolhemos a Bel para assumir a tarefa.

Liguei também pra parteira e pra doula para deixá-las de sobreaviso, mas disse que eu ainda iria dormir e que as coisas poderiam demorar um pouco pra acontecer. Se não me engano, nessa hora as contrações estavam a cada 13 minutos mais ou menos. A doula ficou super feliz e depois me contou que saiu correndo do evento onde estava para ir dormir também. A parteira disse que deixaria suas coisas prontas (depois eu vi a bagagem que ela traz... impressionante como ela conseguiu subir com tudo aquilo sozinha, parecia que estava de mudança).

Por volta das 00h30 acordei, não me lembro se com uma contração ou com a bexiga cheia. Fiz xixi e acho que tentei deitar de novo. Não lembro exatamente a sequência dos eventos. Sei que tive fome, comi pão com geléia e requeijão e tomei um copo de suco de uva. Depois, fui pro banho, pra conferir se era mesmo trabalho de parto. Saí do banho e vi que as contrações continuavam firmes e, aparentemente, regulares. Era mais ou menos 1h30 quando acordei o Rafael. Conseguimos contar algumas contrações e o intervalo era de uns 10, 8 minutos, e ia diminuindo. Continuei deitada de lado, e a cada contração o Rafael fazia pressão nas minhas costas. Ainda conseguíamos cochilar entre as contrações, estava tudo ótimo.

Ali pelas 2h, a coisa começou a incomodar um pouco mais. É engraçado que, do nada, vem uma contração bem mais dolorida que a anterior. Corri pro chuveiro e mandei o Rafael ligar pra doula. Assim que ele terminou a ligação, mandei ele chamar logo a parteira também. Sei lá, segundo filho... eu que não queria um parto desassistido. Pedi também que ele acendesse as velas, mas achei que era cedo pra armar a piscina. (Só depois eu vi como a casa ficou linda à luz de velas. Comprei várias especialmente pro parto).

Eu tinha levado minha bola suíça pro banheiro. Balançava suavemente e, durante as contrações, quicava na bola. Eu cantava o tempo todo, e isso me ajudava a passar por cada contração. Com a água quente nas costas e a presença do Rafael, foi tranquilo esperar pela doula. Ela chegou pouco antes das 3h e, uns vinte minutos depois, chegou a parteira.

A doula ficou comigo no box, apertando uns pontos na minha mão a cada contração. Eu ainda cantava, mas não conseguia mais emitir palavras durante as contrações; só cantarolar a melodia, abrindo a boca no pico das contrações. A partir desse momento, não faço a menor ideia de quanto tempo durou cada uma das etapas seguintes. Sei que fiquei um tempo com a doula, enquanto o Rafael foi inflar a piscina. Depois o Rafael assumiu de novo seu lugar e ficamos só nós dois no banheiro.

Nesse meio tempo, a parteira chegou pra me avaliar. Só que como eu estava no meio de uma contração, ela só checou o coração do bebê e me deixou no banheiro, não lembro mais se com o Rafael ou com a doula (no meu plano de parto eu pedia a máxima discrição da equipe.) A um dado momento, eu, que estava conseguindo dominar bem as contrações, comecei a perder o controle. Então eu gritei pedindo ajuda e a doula veio me orientar sobre a melhor forma de respirar. Ela ficava na minha frente e o Rafael, nas minhas costas, pressionando a lombar. Foi alívio imediato, e voltei ao jogo.

Acho que nessa hora eu já tinha me livrado da bola e assumia a posição de quatro quando vinham as contrações. Já mais no controle da situação, chamei a parteira e disse que ela poderia me avaliar. “Não precisa. Está tudo indo muito bem.” Fiquei pasma. Como assim, não precisa? “Não precisa. Só se você quiser”. Trabalho de parto sem toques? Confiei, achando excelente não ter de sair dali para uma avaliação do colo. Eu já tinha percebido que da primeira vez em que ela tinha ouvido o coração do bebê ele estava à direita (dorso à direita). Da segunda vez, o coração já estava no centro da minha barriga, bem baixinho. Ou seja: o bebê já tinha girado pra descer pelo estreito inferior da pelve. E girou no sentido anti-horário, contrariando o mito de que bebê com dorso à direita tem de dar toda a volta pelo sentido horário até chegar ao meio, em partos longos e dolorosos. Pois minhas filhas giram ao contrário.

(Aliás, provavelmente por isso meu corpo pedia pra ficar de quatro. A força da gravidade ajudou as costas do bebê a irem pro meio da minha barriga.)

Ali, naquele chuveiro, com as contrações cada vez mais próximas, a sensação que eu tinha era a de estar num caminhão sem freio. Eu dizia pra doula: “Está indo rápido demais!” Ela dizia que estava ótimo, mas eu estava atordoada. Não estava acostumada com aquilo. O parto de Emília tinha sido tão forçado, tão arrastado...

A parteira já tinha decretado que não havia tempo de encher a banheira, a menos que alguém se ausentasse e ficasse só por conta disso. E eu não podia abrir mão de ninguém perto de mim, precisava de todo mundo ao meu lado. Também não deu tempo de chamar outra parteira muitíssimo experiente, que nos daria seu apoio (mais moral mesmo, porque ela já está bem velhinha). Mas mesmo sem banheira e sem a outra parteira, foi tudo perfeito, e me senti totalmente segura.

Ali naquele turbilhão, comecei a ficar exausta. Precisava deitar entre as contrações, então pedi pra ir pra cama. A doula e o Rafael me enxugaram; eu sentia muito frio. Deitei enrolada nas toalhas, enquanto eles terminavam de me secar, e continuei ficando de quatro nas contrações, deitando de lado no breve intervalo entre elas. Aos poucos, meu corpo foi pedindo pra ficar cada vez mais na vertical. Primeiro de joelhos; depois, fui tendo o reflexo de abrir uma das pernas, tentando me acocorar. Mas era muito difícil (fiquei de cócoras a gravidez inteira, muitos minutos seguidos, sem nenhuma dificuldade. Mas, naquele momento, eu já não tinha controle sobre meu corpo; ele trabalhava sozinho). Eu sentia dor o tempo todo, porque Margarida fazia muita pressão nas minhas costas. Então, se não era a contração, eram minhas costas.

A doula perguntou se eu não estava com vontade de fazer força. Eu achava que não, mas experimentei e achei que deu certo. A parteira sugeriu que eu usasse minha voz pra fazer sons mais guturais, como urros de um urso, pra dentro – em vez daqueles gritos estridentes que só fazem a gente se desesperar mais. Os urros ajudavam demais na força que eu fazia. Eles me faziam encaixar o quadril e jogar a pelve pra frente, num movimento que torna o caminho pelo qual o bebê desce menos tortuoso e mais fácil. Nisso eu sentia uma bola dura dentro de mim (a cabeça dela) girando e descendo cada vez mais. As contrações em que a cabeça descia eram as mais dolorosas.

Quando viu que eu estava tentando me acocorar, a parteira sugeriu a banqueta de parto, e a colocou ali mesmo, em cima da cama. Foi excelente. A banqueta deu ao meu quadril a abertura extra de que ele precisava pra passar minha meninona.

Em um dado momento, a parteira me disse que fizesse um esforço extra porque o bebê precisava nascer logo. Não ouvi os batimentos cardíacos desacelerando, mas eu sabia que agora era comigo. Sabia que minha filha estava bem, mas sabia também que havia trabalho a fazer. Essa etapa foi extremamente desafiadora, mas minha participação ativa ajudava a aliviar a dor. Eu me sentia muito cansada; dizia que não ia conseguir. A parteira dizia: “Vai, você vai conseguir.” Então ouvi um “ploc!”. Era a bolsa. Eu tinha o sonho de que meu bebê nascesse dentro da bolsa, mas a parteira e a doula ficaram tão felizes com a ruptura naquele momento que eu pensei que devia ser bom. Provavelmente porque, depois que a bolsa rompe, a cabeça desce mais rápido. E foi isso que aconteceu.

A parteira pegou o espelho e tentou me mostrar a cabeça. Eu não vi nada, mas acreditei e mandei mais força. Comecei a perceber um pedacinho da cabeça com as mãos e senti a parteira futucando meu períneo; acho que era pra dar uma alongada (nessa hora eu pensei: fosse no hospital, já estavam com a tesoura em mim). Quando ela tirou o dedo, eu mesma comecei a fazer isso também. Até que a cabeça saiu. Coloquei minhas duas mãos sobre ela e esperei a próxima contração. Passei o dedo no pescoço e avisei: “Não tem cordão!”. Acho que a parteira entendeu o que eu queria dizer. “Ela está girando”, avisou a parteira. E veio o corpo na contração seguinte. Enfiei meus dedos sob as axilas e peguei o que era meu. Levei aquele corpinho molhado pro meu seio, sabia que ela estava ótima. Ouvi seu choro suave, de quem nasceu sem violência e chora só pra limpar os pulmões. Então passei os dedos por entre suas pernas (não quis abrir as perninhas e olhar, pra ela não sentir frio) e anunciei: “É uma menina! É a Margarida!”.

Eram 5h58.

(continua...)

29 comentários:

A Doceria da Tathy disse...

só consigo chorar e nada mais....

Mamãe Tati disse...

Que lindo!! Chorei...

Roberta Lippi disse...

Nossa senhora, Lia, que emoção avassaladora. Estou toda arrepiada, de olhos cheios d'água. Imaginei a cena de você puxando a sua própria filha pelos braços. Nunca vi coisa assim. Lindo, lindo.

Suellen disse...

EMOCIONANTE! não tem palavra que defina mais o seu relato! que sonho, meu sonho que vc realizou e provavelmente eu não realizarei...

... disse...

Lia, que coisa mais linda!!! estou sem palavras!
como eu já disse na partonosso, que fico muito feliz de vc ter conseguido, planejado e tido esse parto tão respeitoso, pois você merece! quando lí seu primeiro relato, fiquei abismada com a violência a que vc foi submetida, gente empurrando a barriga e tudo o mais, e fiquei me perguntando pq é que vc não tinha tido um parto domiciliar. meses depois, quando vc engravidou pela segunda vez, ví umas menssagens na partonosso em que vc dizia que teria um PD e achei o máximo e pensei cá comigo "nossa, esse bb vai nascer facinho facinho".
parabéns pelo lindo nascimento, pela linda filha, pro rafael, pra emilia e pra sua equipe, que soube te respeitar e te deixar fazer oq seu corpo está programado há anos pra fazer!
arripiei toda quando lí "Enfiei meus dedos sob as axilas e peguei o que era meu". lindo, foda e maravilhoso vc ter sido a primeira a pegar sua filha! nossa, que emoção!!!!
parabéns minha querida, pelo nascimento suave e belo de mais essa linda menina!


beijocas,
Aretha
www.oquehadeerrado.blogspot.com

Alice disse...

Nossa, estou acompanhando cada etapa e é realmente impressionante como no momento que você diz que pegou o bebê, colocou no colo, viu que era menina, as lágrimas simplesmente chegam... Parabéns.

Lu Iank disse...

Eu vou deixar pra comentar no último post, mas só para dizer: estou arrepiada!!!!
bjs

Jane Garcia disse...

Oi Lia,

Emocionante seu relato! Quisera ter tido sua maturidade quando pari meus filhos.

Deus abençõe a vc e sua familia!Sl 34:1

Ana Paula - Journal de Béatrice disse...

Intenso Lia. Sem palavras, so lagrimas. Lindo.

Kelly Chalub disse...

ei Lia!
estou lendo todos os dias o blog. Mesmo não tendo a mínima coragem de fazer como você, estou adorando ler seu relato de parto!
bjinhos!

Bina USA disse...

Eita coisa mais linda do Mundo...Parabens!

Léia disse...

Ai que lindo...inspirador ...parabéns! Tudo de melhor pra vcs!

Paloma Varón disse...

Tô chorando aqui, Lia. Mesmo já sabendo da história, é emocionante ler o relato. Lindo!

Dê Freitas disse...

Ai Lia...tô ficando emocionada a cada parte do relato. Lindo e emocionante! Quero mais.....bjs

Fernanda disse...

Coisa mais linda, estou arrepiada...
Já tenho vontade de chorar toda vez que vejo um parto (no hospital mesmo porque é onde eu trabalho, cheio de luzes frias, tesouras e tubos) mas na hora que vejo a nova pessoinha chegar, ouvir seu choro me faz pensar que a vida vale a pena...
Mas assim deste jeito, ter o controle do seu corpo e receber seu próprio filho com a sua força e as suas mãos dá um sentido novo para a vida...
Experiência mais linda, só isso que posso dizer... Meu primeiro parto foi maravilhoso (apesar de hospitalar e com anestesia) mas acho que no segundo posso ser mais ambiciosa como você foi!!! Parabéns Lia, guerreira, grande mulher, te admiro muito de coração.
Beijo grande

Ananda Etges disse...

Oi Lia,

Conheci teu blog a poucos dias, mas estou encantada com o teu relato de parto. Muito emocionante! Parabéns pelo nascimento da Margarida!

Beijos, Ananda.

http://projetodemae.wordpress.com/

Anônimo disse...

Leio seu texto com minhas duas filhas dormindo ao meu lado. Olho para elas, penso em você e meus olhos se enchem de lágrima. Parabéns pela sua força e coragem!

Luíza Diener disse...

e é claro que eu ainda to chorando!
PARABÉNS!

Cíntia disse...

Lágrimas... lágrimas...
que emoçào Lia.
Sem palavras.
Só bençào!

Carol disse...

tava viajando e li todas as partes de uma vez só. Ai, que emoção, que maravilha, quanto respeito! Parabéns!

estou ansiosa pela continuação!

beijos e parabéns!

Aline - BA disse...

Desde que começei a ler blogs de mães cheguei no seu e li quase todo! Nossa!!! Vc é incrível e como é corajosa!! Parabéns!!!

Fabi Alvim disse...

Que emocionante!! A cada palavra tento imaginar a cena... seu relato do expulsivo foi único... ainda não tinha visto coisa igual! Lindo!!!

Ivna Pinna disse...

Deixa eu respirar e dá outro suspiro..
Que parto mais lindo esse.. mta emoção vc pegar sua bbzinha.. parabéns!
cada post mais maravilhoso queo outro!

Beijos

Camila disse...

Achei tão emocionante seu relato que fiquei com vontade de ter outro filho só para ter essa experiência maravilhosa de trazê-lo ao mundo de forma tão natural. Parabéns!

Tchella disse...

paaaara de me fazer chorar! to brincando, pode continuar fazendo! lindo lia, imagina tu puxando ela pro teu colinho! aiiiii quanta emoçao!

Mari Mari disse...

Realmente, um lindo relato de parto. Inspiração pra quem quer ter um parto humanizado, em casa, mas também pode inspirar quem quer ter um parto normal hospitalar, mesmo. a minha segunda filha nasceu muito rápido. O prodromo foi muito suave, só umas contracoes bobas, que nao evoluíam. A minha primeira contração digna de parto foi as 10:30 da noite. Cheguei no hospital meia noite e quinze com 8cm de dilatação. Até puseram ocitocina, anestesiaram, mas tudo correu tão rápido, ela nasceu menos de uma hora depois. Tivesse demorado um pouco mais, nascia no meio da sala de casa! Ainda bem que o seu relato continua, porque está lindo e quero saber como está sendo amamentar as duas, como a Emília tá encarando a irmã, se ela entendeu o que aconteceu...
beijos

Gab disse...

que bela homenagem às crias (e um presente pra todos nós) ler um relato tão poderoso e emocionado assim!
também pari minha pequena em casa, ela nao desgrudou de mim pra nada (acredita que até esquecemos de pesar na hora,rsrsrs?) e nao consigo nem imaginar algo diferente...
hospital? não, muito obrigada, não mesmo!!! pânica!

depois do nascimento de minha filha, sou ainda mais convicta de que o parto domiciliar é a melhor opção, pelo carinho e aconchego e tranquilidade, mas principalmente: pelo profundo RESPEITO à delicadeza e à serenidade do bebezinho chegante!

é isso que emana por todos os poros de seu lindo relato: RESPEITO ao tempo e aos caminhos de Margarida! a mais linda florzinha primaveril!

parabéns, bi-mamãe! muito leitinho pra vcs (pras três rsrsrsr)

Sarah disse...

Um dos relatos mais emocionantes que já li! Vc a pegando com as próprias mãos, pelas axilas, depois descobrindo que era uma menina... Lindo demais...
Parabéns de novo, pelo relato, pela coragem, por conseguir viver essa experiência (e depois ainda vir contar pra gente!)
bjos!

Patrícia Boudakian disse...

Que lindo, Lia. Demais! Revivi um pouco do meu parto. É tão bom saber que nossas filhas nasceram sem violência... ai ai

Beijos


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