Existe muita desinformação a respeito do parto domiciliar. Eu mesma sabia muito pouco sobre isso quando surgiu o interesse por outros locais de parto que não fossem o hospital. Minha primeira experiência de parto deixou muitas lacunas, e parte da frustração certamente deveu-se ao ambiente hospitalar: pressão para parir logo, intervenções, separação precoce, UTINeo. De alguma forma, eu desconfiava que se meu trabalho de parto tivesse sido conduzido de outra forma, minha primeira filha não teria precisado ficar em observação, longe de mim, por quase 24h.
Mesmo não gostando do hospital, não via muita alternativa. Pensava que parir em casa era coisa de princesas, que tinham mansão, criadagem, jacuzzi. Tipo a Gisele.
Até que conheci gente real que tinha parido em casa, em apartamentos pequenos, sem elevador. Em vez de jacuzzi, uma piscina infantil inflável. Gente como a gente. E fui lendo, me informando, conversando com mulheres e profissionais de saúde, até tomar minha decisão (batemos o martelo antes que eu engravidasse de Margarida).
Foi um crime premeditado.
Precisamos de muito tempo, Rafael e eu, para nos convencermos da segurança da nossa escolha. Por isso entendemos que muita gente ficaria chocada caso soubesse dessa decisão, então decidimos manter segredo da família até o nascimento. Não podíamos exigir que eles compreendessem em poucos meses o que levamos mais de um ano pra construir.
Depois que tudo aconteceu, fiz um levantamento das principais dúvidas e inseguranças que surgiram ao nosso redor e elaborei este “informe técnico”, com algumas informações essenciais sobre o parto domiciliar. O objetivo não é convencer ninguém a parir em casa; é apenas ajudar a esclarecer por que algumas mulheres seguem por esse caminho.
Por que parir em casa?
A nossa casa é o nosso território. Estamos familiares com seus espaços, seus cheiros, suas bactérias. Ali, ninguém vai nos chamar de “mãezinha”, ou nos obrigar a andar de cadeira de rodas. Ali, nosso bebê não vai ser levado de nós e receberá apenas os tratamentos que nós desejarmos.
Existem milhões de razões para parir em casa ou em outro lugar. Cada mulher achará as suas.
É seguro?
É tão seguro quanto um parto hospitalar de baixo risco, ou seja: bastante seguro.
Obviamente que estamos falando de partos domiciliares planejados, assistidos por profissionais qualificados, e não de partos desassistidos ou acompanhados por leigos.
O profissional que acompanhará o parto leva para a casa da parturiente equipamentos básicos de segurança. Além do aparelhinho para a ausculta intermitente do coração do bebê, ele traz balão de oxigênio e material para a aspiração das vias aéreas. Ele também domina técnicas de reanimação fetal.
Caso algo não esteja correndo bem, a parteira ou o médico que estiverem acompanhando o parto podem sugerir a transferência para o hospital. Essa transferência normalmente é indicada muito antes de a situação se tornar perigosa, de modo que haja tempo hábil para o transporte. Entre 10 e 15% dos partos planejados para ocorrerem em casa acabam acontecendo no hospital. Algumas transferências são feitas a pedido da parturiente, normalmente para receber analgesia ou quando ela está exausta.
Para quem ainda desconfia, existem estudos e artigos científicos apontando resultados iguais ou melhores para os partos domiciliares em relação aos partos hospitalares de baixo risco, considerando mortalidade e morbidade materna e neonatal, como este aqui. Recomendo também este artigo, do Dr. Marsden Wagner, epidemiologista perinatal que foi diretor de Saúde Materna e Infantil da OMS.
Quem acompanha um parto em casa?
Uma parteira, normalmente enfermeira obstetra, ou um médico. Em algumas cidades, não existem médicos que acompanhem partos domiciliares, pois há perseguição. Contudo, uma parteira com a formação adequada é perfeitamente capaz de acompanhar um parto normal de baixo risco com a maior segurança. Inclusive, os países que apresentam os melhores resultados maternos e neonatais do mundo (Japão, Holanda, Suécia) são aqueles onde os médicos atuam apenas em situações patológicas. Nesses locais, as gestações e os partos de baixo risco são confiados às parteiras (obstetrizes, as midwives).
Quem pode parir em casa?
Gestantes enquadradas como “baixo risco”. Um fator crucial para a segurança do parto domiciliar é a triagem das gestantes, feita a partir do pré-natal. Condições patológicas como pré-eclâmpsia, retardo no crescimento fetal e outras a serem avaliadas pelo médico e a parteira contraindicam o parto domiciliar.
E como é o pré-natal?
Caso a mulher tenha optado por parir com parteira, ela deverá ter um médico para solicitar os exames básicos (hemogramas, ecografias etc.). Mesmo assim, a parteira faz o seu pré-natal, com consultas mensais que vão se aproximando à medida que a gestação avança, até chegar a consultas semanais. Nesses encontros, ela mede a pressão e a altura uterina (a minha fazia até testes de urina), escuta o coração do bebê, avalia sua posição e conversa muito com a gestante.
O pré-natal com uma parteira é muito diferente do pré-natal com um médico, por mais humanizado que ele seja. Em primeiro lugar, porque ela vai à sua casa. Nada de deslocamentos e chá de cadeira no consultório. Depois, porque a parteira costuma estar muito mais disponível para conversas que fujam um pouco dos tradicionais temas relacionados à gestação. No meu caso, tive a oportunidade de falar tudo sobre meu primeiro parto, as experiências da minha família, minhas inseguranças, minhas expectativas.
Também fui acompanhada por uma GO maravilhosa, que topou ficar de sobreaviso caso eu precisasse ir ao hospital. Ela confiava tanto na minha parteira que eu cheguei a passar 5 semanas sem ir ao consultório no último trimestre da gestação, já que estava sendo acompanhada pela parteira.
Quanto custa parir em casa?
Varia muito. Os médicos que acompanham partos domiciliares costumam cobrar o mesmo valor que os médicos humanizados em geral – caro. Isso porque eles atendem poucas gestantes (3 ou 4 por mês, no máximo), gastam muito mais tempo em cada consulta que um médico de convênio (algumas consultas chegam a 2h) e acompanham partos normais, que acontecem quando querem acontecer e duram o tempo que tiverem de durar.
Com parteira, a coisa costuma ser bem mais acessível. Médicos são profissionais excessivamente caros para acompanharem eventos fisiológicos, daí eu achar que parteiras são de fato as profissionais mais adequadas para assistirem partos de baixo risco. Paguei no meu pré-natal inteiro, incluindo o parto e as visitas pós-parto (4 visitas), metade do valor que minha médica humanizada cobraria apenas para o parto.
Eu incluiria no orçamento a doula, fundamental pra gente segurar a onda sem anestesia. Mas as doulas cobram valores bem razoáveis e costumam ser flexíveis quanto às condições de pagamento.
O que é necessário para parir em casa?
Nem castelo, nem jacuzzi. Basta que você se sinta confortável na sua casa. Eu planejei usar a sala (minha sala é bastante espaçosa), mas a gente errou nos cálculos e não deu tempo de encher a piscina (uma piscina de 1,5m de diâmetro, emprestada pela doula). Assim, usei só meu chuveiro e minha cama (uma cama de casal tamanho padrão).
No finzinho da gestação, a parteira passa uma lista de itens que você deve providenciar pro parto: lençois, toalhas, panos de chão, plásticos para cobrir a cama etc. Todo o sangue das roupas saiu com a lavagem. O que não saiu foi o desenho que Emília fez no lençol com a caneta da parteira...
E os procedimentos com o recém-nascido?
A parteira é habilitada para administrar os primeiros cuidados neonatais. Se a mulher preferir, pode também chamar um pediatra.
Assim que o bebê nasce, a parteira verifica suas condições e a necessidade de procedimentos de aspiração ou reanimação. Ela tem a discrição de observar tudo isso com o bebê no colo da mãe.
Em seguida, o bebê é pesado e medido (minha parteira trouxe uma balança portátil e um colchão com aquecimento elétrico, pra o bebê se manter quentinho durante a medição) e são checados os reflexos. Ela também mede a temperatura do bebê e passa orientações sobre amamentação e outros cuidados.
A parteira também faz a coleta do sangue do cordão umbilical para a tipagem sanguínea. Ela traz o frasco com anticoagulante e depois é só levar no laboratório. Como eu tenho RH incompatível com o do meu marido, pedimos urgência no laboratório e no dia seguinte ao parto fui ao pronto socorro tomar a Rhogam (vacina anti-RH, que impede a imunização da mãe). Foi super tranquilo e rápido.
Você também pode solicitar à parteira a administração de vitamina K (oral ou injetável) ou colírio. Nós quisemos só a vitamina K oral.
Todos os procedimentos são conversados e discutidos no pré-natal, e a vontade dos pais é respeitada.
O parto domiciliar é a única forma possível de parto humanizado?
Não. O melhor lugar para parir é aquele onde a mulher se sente mais segura, mais confortável. Se a pessoa não gosta da própria casa, se tem medo (às vezes o medo aponta um caminho; às vezes a gente sente medo porque não é pra ser daquele jeito), se vê que as coisas não estão se encaixando, melhor procurar uma boa maternidade ou uma casa de parto. O importante é que a mulher esteja bem preparada e bem amparada.
24 comentários:
Eu fiz cesareana no hospital, local que me senti mais segura e confortável, sou muito medrosa///parabéns pela coragem, o post está muito legal e explicativo///bjo bjooo
Lia que legal esse texto, realmente, pra quem tem algumas dúvidas, ele tá bem explicativo.
Vao ajudar muita gente!
Beijos
Adorei o seu post, Lia. Muito esclarecedor. Muito obrigada por compartilhar conosco.
Eu tinha praticamente todas essas dúvidas que você me esclareceu. Só imagino que esse tipo de tratamento e profissionais sejam encontrados muito mais em grandes cidades, no interior imagino que seja quase impossível...
Beijos para vocês.
Lia,
depois daquela maratona lá no blog sobre parto, estou muito feliz em ler este post prático e desmistificador. já li muito sobre parto domiciliar, já conversei, mas nunca tinha tido uma dimensão tão prática.
te peço licença para linkar este post lá no finalzinho do último post, na parte em que falo sobre a necessidades de informar-se para decidir sobre os detalhes do parto.
excelente post!
Lindo, Lia!
Muito, muito bom, vou divulgar!
Beijos
Gostei muito desta frasem ela foi muito significativa sobre o que venho abalisando sobre a minha transferência para o hospital, no trasncorrer de um PD, por pedido meu... " às vezes a gente sente medo porque não é pra ser daquele jeito", Venho pensando nisto, o parto não evoluiu porrque tive medo ou tive medo porque senti que não ia rolar? De qualquer forma, estou grávida de 5 meses e será novamente um PD...
é um texto inspirador!!! :D bjao amei!
Oi Lia
acho que o seu post vai ajudar a esclarecer muitas duvidas sobre o parto domiciliar. Sem duvida para que o parto aconteca em casa é necessário uma série de fatores, que vao além da vontade da mae, mas é absolutamente possivel. Acredito que para um parto humanizado e com a menor interferencia possivel é indispensável a ajuda da doula. Nao consigo me imaginar no parto da Mariana, que foi totalmente natural, sem o apoio e os conhecimentos dela para me ajudarem. Imagino que no parto em casa mais ainda ela seja necessaria.
Talvez se eu tivesse um terceiro filho optasse pelo parto domiciliar. A questao é que nao é nossa idéia e o outro ponto é que fico imaginando como os vizinhos reagiriam aos meus gritos estridentes. Sorry, mas nao consigo segurar. No final é impossível.
Bjs
Excelente post, Lia!
Só me restou uma dúvida: como faz com a documentação? A parteira fornece algum relatório? E a declaração de nascido vivo que usamos pra registrar a criança?
Poxa, eu (que passei 14 horas no hospital tentando parto normal e acabei passando por uma cesariana de emergência) fiquei encantada com a idéia do parto domiciliar.
Parabéns pelo novo membro da família.
Certeza que Margarida trará (já trouxe) ainda mais luz pra vcs.
Jesus abençoe sempre essa família linda.
Oi, Irina,
Para registrar bebês nascidos fora do hospital, basta que o pai ou a mãe compareçam ao cartório com duas testemunhas. Vale a pena ver com a parteira quais os cartórios mais amigáveis; apesar de ser lei, alguns implicam. Aqui foi super tranquilo. Bjos!
Muito esclarecedor. Eu realmente não conhecia nem metade do que escreveu. Com certeza vai ajudar muitas mulheres em suas decisões. Bjsss
Oi, Lia! Obrigada por compartilhar essas informações! Eu também estou em busca do meu PD após um primeiro parto hospitalar.
Eu também tenho tipo sanguíneo incompatível com o do meu marido. No primeiro parto tomei a "vacina" no hospital e esse é um ponto de dúvida no PD. Você conseguiu a Rhogan no PS mesmo? Sem problemas, questionamentos? Foi um PS público ou de hospital particular? Pergunto porque já ouvi que os hospitais particulares não aplicam caso o parto não tenha sido lá.
Como vc fez? Só levou o resultado do laboratório?
Beijos!
Nine
Oi, Nine,
Como eu sabia que meu bebê tinha enormes chances de nascer com o RH do pai (não conheço ninguém de RH negativo na família dele), deixei tudo engatilhado antes: peguei um pedido com a minha médica solicitando a aplicação da vacina e me informei sobre o melhor lugar pra tomar. Como minha parteira estava acompanhando uma gestante na mesma situação que eu, e ela pariu antes, fui ao mesmo hospital (particular) onde ela foi tomar a vacina dela.
Levei o pedido da minha médica, meu cartão pré-natal, o resultado da tipagem da minha filha e até o comprovante de que eu já tinha tomado a rhogam com 28s de gestação (esta eu tomei num hospital público, fazendo o mesmo procedimento. Fui muito bem atendida na ocasião, mas demorou demais).
A médica do PS foi ótima, mostrou até certa admiração com minha atitude (ainda mais vendo o tamanho do bebê hohoho). De posse dessa documentação, ela prescreveu a medicação e tomei na hora, foi bem rápido. Meu convênio pagou a consulta e a vacina.
Eles têm que dar a vacina. E se você tiver um aborto espontâneo? E se tiver um acidente durante a gestação? E se seu filho nascer rápido demais e não der tempo de ir ao hospital? Ou, simplesmente, se você e seu médico acharem por bem fazer a vacina com 28 semanas?
Fiquei bem preocupada com isso durante a gestação, mas foi bem mais simples do que eu pensava.
Sugestão: procure um hospital onde seu médico seja bem relacionado. Com o pedido dele em mãos, fica mais fácil. Bjos!
Lia, post maravilhoso!
Super direto e esclarecedor!
Estou orgulhosíssima de vc, do seu PD, da sua busca, da sua conquista e da sua partilha com tantas outras mulheres!
Parabéns mais uma vez!
Bjão!
muito esclarecedor, lia. obrigada
Primeiro post sobre PD que me trouxe resposta a tantas dúvidas! Eu sempre me encanto com os relatos e fico numa vontade louca. Achava também que isso era coisa de primeiro mundo (leia-se SP) e que em Brasília eu não encontraria esses profissionais. Um histórico de 2 cesáreas será impedimento para se pensar num parto assim??? Minha primeira cesárea já foi impedimento logo de cara para aquele senhor doutor das 39 semanas (lembra que te falei no Mamaço??) para um PN. Imagina se eu tivesse feito alguma referência a domicílio?!
Lia, obrigada pela resposta! Vou conversar com meu obstetra sobre isso! Beijos!
Oi, Lia! Mais uma vez obrigada pela atenção! Eu moro a 500km de POA, mas mesmo assim, escolhi um PD, que aqui no RS só é realizado pelo Dr. Jones, que é meu obstetra. Vou viajar para POA no final da gestação (com 38 semanas vou sair de licença) para ter meu filho lá com ele e a Zeza. Ele é fantástico mesmo! E foi o próprio que me alertou sobre a dificuldade de se conseguir a vacina, então, creio, deve ser algo local, de POA. Mas vamos conseguir resolver, tenho certeza! Beijos!
Oi Lia! Adorei o post e sua postura sempre tão querida e aberta de mostrar como você conduz tão lindamente sua vida, sua família e suas escolhas! Palmas!!!! Li teu post e logo depois uma conhecida postou esta reportagem no facebook que me deixou tão chateada: http://veja.abril.com.br/noticia/saude/parto-domiciliar-quando-o-risco-nao-e-necessario que pena, não é mesmo?!
Oi, Susan,
Vi essa reportagem e, como tudo o que a Veja publica, é mal apurada e parcial. Eles usam uma fonte só (CRM SP) e o estudo que eles citam condenando o PD já foi contestado por outros estudos científicos, pois está cheio de erros metodológicos. Eu inclusive já li o estudo que eles citam, e ele contém resultados incongruentes.
Que o CRM condene o parto domiciliar é a mesma coisa que as boutiques condenarem você costurar suas roupas em casa ou as redes de restaurantes criticarem a comida caseira... interesses corporativistas.
Mas acho que as pessoas devem ler com um olhar crítico e inteligente e chegar às suas próprias conclusões. Não fique chateada com a matéria. É totalmente coerente com as posturas reacionárias da Veja.
Beijos!
Lia! Quando eu crescer (tenho 27.. acho que fica pra próxima vida!) quero ser como você!
Lia, eu acrescentaria as informações sobre o registro do bebê que nasce em casa. Que bom que foi sossegado para você...
Aqui foi super fácil tb. Nem precisou de testemunha. A médica deu um termo de nascido vivo e meu marido registrou com nossa certidão de casamento.
Tb ouvi dizer que não costuma ser tão fácil assim... você levou testemunhas? Tem cartório que pede até foto do parto. rs
Beijos!
Adorei o Post, muito esclarecedor só que exatamente na parte onde vc vai falar quanto custa parir em casa, vc não responde a pergunta é não deixa nem margem pra nós termos uma idéia. Achei que ficou faltando essa informação pra saber mais ou menos quanto custa.
De qualquer forma foi muito bom o texto.
Tielle, você pode descobrir isso junto aos profissionais que acompanham PD na sua cidade. Repare ainda que este post é antigo, as coisas mudam sempre.
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