Estudando para minha dissertação, estive analisando a última edição da pesquisa Retratos da Leitura do Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro. O dado que mais me chamou a atenção foi que, pela primeira vez, as mães deixaram de ser a figura mais influente nos hábitos de leitura dos indivíduos, tendo sido superadas pelos professores.
Não se aprende mais a ler em casa. Ler, não no sentido de ser alfabetizado, de decifrar uma sequência de códigos gráficos; mas de tornar-se leitor, leitor de literatura, da "arte das palavras", como define Ana Maria Machado.
Quando saem da escola, conclui a pesquisa, os jovens param de ler. Ou passam a ler muito menos, sobretudo quando falamos em literatura. Sobrevive apenas a leitura de jornais, revistas e internet. Quando não tem ninguém mais mandando ler, não se lê mais.
Interessante que, mesmo com essa conclusão, a maior parte dos especialistas que comentam a pesquisa menciona que seus resultados são muito importantes para conduzir políticas públicas e para auxiliar professores e gestores de escolas a delinear projetos para a penetração da leitura do Brasil. E as mães, onde estão?
Claro, se olharmos para o país pelo nível macro, veremos todas as questões decorrentes do desequilíbrio de renda e da precariedade econômica de muitas famílias. Mães que trabalham fora o dia todo, que estão cada vez menos em contato com as crianças e que têm pouca relação com os livros.
Mas parece que as mães não têm nada a ver com isso. Que são apenas uma vítima do sistema. E que, portanto, não são um caminho relevante para que enfrentemos o problema do baixo número de leitores no Brasil. É claro que existem iniciativas nesse sentido, como o programa "Mãe, lê pra mim", que distribuiu em São Paulo 4 mil livros para mães em comunidades carentes. E nós, mães blogueiras, também conhecemos o programa do Itaú Cultural que tem distribuído há alguns anos livros infantis para qualquer um que se cadastrar.
Mas penso que seja a hora de convocar as mães a fazerem algo por seus filhos, por suas famílias, sem esperar que o Governo ou a escola façam por ela. Porque estamos incorporando a ideia de que o papel de criar nas crianças o "hábito" da leitura é da escola. E não é. É meu. É da mãe, é do pai, é da vó, é da família. Não faltam livros; as bibliotecas públicas estão nos municípios mais remotos, o acervo do PNBE é absolutamente espetacular. Faltam mediadores que tenham gosto pelo livro.
O comediante Louis C.K., na série Louie, faz uma piada aparentemente de péssimo gosto em uma reunião de pais e mestres em que se discute uma crise na escola, e o que fazer para melhorar a instituição. Ele não entende o rebuliço e comenta: "School is supposed to suck". Claro, uma afronta a todos os pais e educadores que têm lutado por um ambiente escolar prazeroso, criativo e livre para nossas crianças.
Mas a piada traz algo de importante para nossa reflexão: queiramos ou não, a escola está historicamente associada à obrigação, ao dever, enquanto que o lar dá a ideia de prazer, de liberdade, de lazer. Por menos tradicional que seja a escola, ali os deveres são mais frequentes que em casa. Por mais que se goste da escola, existem horários, existem obrigações, existe um esforço maior do que o que é exigido no seio da família. E aí está o pulo do gato.
Embora a escola tenha um papel importantíssimo em cultivar o hábito da leitura, é muito mais difícil para ela desenvolver o gosto pela leitura que para uma mãe. A leitura no colo, com atenção individual que os professores dificilmente podem dar, com tempo para a contemplação, para a pausa, para a repetição, encontra ambiente muito mais favorável em casa.
Mas é necessário que a mãe esteja lá. Que haja tempo, muito tempo. E se isso é uma questão social, política, econômica, também é uma questão individual, das minhas decisões, da minha vontade, do que estou disposta a abrir mão para estar com meus filhos. E se para a população carente o buraco é mais embaixo, eu não tenho desculpa.
A leitura de livros em papel me parece uma tradição que está se perdendo. Embora estejamos falando da palavra escrita, a leitura começa como parte da tradição oral, da contação de histórias, da leitura em voz alta antes de dormir. É algo que tem de ser passado de geração em geração, no seio da família.
Essa tarefa tem sido delegada para a escola, que tem se mostrado incapaz de fazer resistência aos apelos mercadológicos das propostas passivas de estímulo aos alunos, menos desafiadoras e mais aquietadoras das numerosas crianças em sala de aula. É necessário trazer a leitura também para fora da escola, como parte da rotina de lazer, do tempo livre. É necessário resgatar o prazer da leitura compartilhada, humana, o lado relacional da leitura.
Só aí se criarão memórias afetivas fortes o suficientes para sustentar a leitura individual, silenciosa, contemplativa, sem hipertextos, botões ou luzes.
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Há 2 meses
9 comentários:
Adorei o texto. Realmente tomei gosto pela leitura em casa e em casa do avós, tios. Sempre tinha material para ler ao meu redor, dos piores (revista de novelas e livros de bancas) aos melhores. Procuro ler para os meus desde sempre, embora o menor ainda ache mais divertido tentar morder. Mas por que perguntar só pelas mães, os pais também não são responsáveis? Abraços
Oi, Talita!
As mães, segundo a pesquisa, sempre foram a principal influência na formação de leitores. Inclusive outras cuidadoras do sexo feminino (avós, tias) ainda superam o pai nessa tarefa. Então o alerta foi a respeito de uma perda histórica que estamos vivendo. Não é uma defesa de que essa tarefa seja das mães; é uma constatação histórica e factual.
Contudo, é interessante sua nota, porque a pesquisa relata uma queda ainda maior na influência paterna sobre a formação de leitores - o que é igualmente preocupante.
O fato é que a família já não é a principal formadora das crianças, mas sim a escola.
Enfim, fica uma reflexão para todos nós, mães, pais, avós, tios.
beijos!
Lia, como vão as meninas? Tivemos notícias da Emília. Resta saber da Margarida e da Ana. Beijos!
Oi, Lia, tudo bem?
Interessante sua pesquisa, parabéns.
Mas... uma questão (como pesquisadora, como mãe e como editora de livros para crianças): a escola ainda desempenha um papel fundamental para promover o hábito de leitura em famílias de renda baixa, baixíssima, que não convivem com o objeto livro. Parece incrível para quem é de classe média, média alta, mas ter livros em casa ainda é sinônimo de status social. Assim, é preciso "sair um pouco da própria classe" para olhar de fora todas essas incongruências que o Brasil nos apresenta. A Emília Ferreiro, você deve conhecer,tem boas reflexões sobre esse cenário. Não basta condenar a escola e clamar por mães e pais mais participativos (não acho que você está fazendo isso!) - é preciso entender, principalmente, as razões que impedem que esses pais sejam mais presentes (e não estou falando da classe média-alta que terceiriza os filhos por outras razões que não sejam... a de precisar sair para trabalhar e arrumar dinheiro para comer). Um beijo, boa pesquisa!
Oi, Lia, tudo bem?
Interessante sua pesquisa, parabéns.
Mas... uma questão (como pesquisadora, como mãe e como editora de livros para crianças): a escola ainda desempenha um papel fundamental para promover o hábito de leitura em famílias de renda baixa, baixíssima, que não convivem com o objeto livro. Parece incrível para quem é de classe média, média alta, mas ter livros em casa ainda é sinônimo de status social. Assim, é preciso "sair um pouco da própria classe" para olhar de fora todas essas incongruências que o Brasil nos apresenta. A Emília Ferreiro, você deve conhecer,tem boas reflexões sobre esse cenário. Não basta condenar a escola e clamar por mães e pais mais participativos (não acho que você está fazendo isso!) - é preciso entender, principalmente, as razões que impedem que esses pais sejam mais presentes (e não estou falando da classe média-alta que terceiriza os filhos por outras razões que não sejam... a de precisar sair para trabalhar e arrumar dinheiro para comer). Um beijo, boa pesquisa!
Adorei seu post que tem relação direta com o que acredito e faço em casa.A leitura aqui é sagrada e Bruna minha filha adora esses momentos e sempre ela tem livre acesso aos livros e se diverte com as histórias. Em sua escola também tem um programa de ciranda de livro que a criança leva para casa todo final de semana já é um ótimo estímulo.
Adorei seu blog e ja estou seguindo . Convido para que dê uma passadinha lá no blog www.aprendendoasermar.blogspot.com.br
Oi, Malu! Concordo plenamente; é por isso que escrevi "E se para a população carente o buraco é mais embaixo, eu não tenho desculpa."
A questão da miséria no Brasil e sua relação com as baixíssimas taxas de leitura (um círculo vicioso, a meu ver), é extremamente complexa. Mas não podemos nos iludir achando que os ricos brasileiros leem. Leem muito pouco. Leem muito menos do que deveriam para construir uma sociedade crítica e emancipada. Cada um faz o que pode, mas tenho a impressão de que estamos fazendo muito menos do que podemos. O que eu quero dizer é: talvez a moça que varre a calçada tenha uma boa desculpa para não ler para os seus filhos, ou para não ler ela mesma. E nós? Temos?
Há muitos lados da questão... aqui tratei apenas sobre o que eu posso fazer como mãe, na classe social que estou. Porque, afinal, este é um blog de mãe. A dissertação é outra história ;)
bjos!
Oi, Lia! eu me lembro de vc... ta lembrada de mim? rs
Adorei seu texto e reflexao... cnncordo demais.
Adorei saber tmbm do seu forninho... que massa! Parabens1
Desde aquele momento que nos falamos (tem uns dois anos, acho), muita coisa mudou na minha vida!...
Vamos reativar nossas conversas?
bjs e ateh breve
Maira
Juro que ainda estou sorrindo por ver que vc voltou a escrever. Que bom!
Nao tenho a menor desculpa para não ler para minha filha e espero que a escola não seja sua referência. Estou tentando fazer minha parte e esse texto me fez tomar consciência em buscar mais alternativas, afinal, eu tenho possibilidades e tempo para isso!
beijos e obrigada!
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