quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Puerperiologia

Se tem uma especialidade que a medicina deveria incluir é a puerperiologia - palavra que acabei de inventar e que designa a ciência do puerpério, o nosso conhecido pós-parto.

Vejam só: você engravida e passa 9 meses sendo paparicada pelo obstetra. Se for primeiro filho e você tiver uma graninha, ainda entra o nutricionista, o massagista, o professor de pilates, todos ao seu dispor. E se você escolheu um pré-natal e um parto humanizados, você ainda terá uma doula e uma parteira e/ou médico humanizado para te acolher e ouvir todos os seus anseios. Resfriou? Liga pro GO. Chorou, estressou, deprimiu? Liga pra parteira, chora as pitangas pra doula, pras colegas do grupo de apoio, da hidro ou da ioga. Grávida é rainha.

Daí você pare e vira a mãe do(a) fulaninho(a), com muito orgulho, com muito amor. E aí passa a frequentar o pediatra uma vez por mês, bem como o posto de vacinação. Bebê fez cocô mole, fez cocô duro, vomitou, nariz escorreu? Liga pro pediatra.

O bebê passa a ser o centro das atenções, enquanto você lida com as dores da cicatriz da cesárea, da episio, ou mesmo de um períneo íntegro, mas ainda sensível pelo parto natural. E com a dor da apojadura, quem sabe também de algumas fissuras no mamilo. Mas tudo bem: no primeiro mês, o GO ainda está ao seu dispor.

Então passa o primeiro mês e você desloca a grana pra pagar o pediatra e aquela vacina acelular. Nada mais de doutor particular pra você. Resfriou? Segura as pontas com mel, gengibre e soro fisiológico - que lactante não pode tomar antialérgico. Ou então vai a um otorrino do convênio que nunca te viu mais gorda (literalmente) e tenta explicar pra criatura que você não pode tomar esse ou aquele remédio e que, não, seu filho ainda não desmamou.

Depois do primeiro mês você também deixa de ser oficialmente considerada puérpera. E dá-lhe gente conversando com você sobre assuntos para os quais seu cérebro, afetado pelas altas taxas de ocitocina e prolactina, não dá a mínima. E o tal do baby-blues? Querida, se você está deprê depois do primeiro mês do seu filho, é hora de entrar no tarja preta. Ou desmama logo esse parasitinha e vai espairecer, viajar com o marido, sair pra balada, que ninguém merece ficar nesse estado.

Dia desses estava conversando com uma amiga que tem um bebê de quatro meses, resolveu dar uma pausa na carreira e está feliz da vida entre livres mamadas e passeios de carrinho pela quadra. Ela diz que o marido - super bem intencionado - vive arrumando passeios pra eles, combinando de sair com a antiga galera, com o argumento: "Não vou deixar você ficar assim!". Ela ri. Assim como? É o meu momento, diz ela. Momento de introspecção, de ficar em casa, de lamber a cria, de se alienar da realidade. Que, pra uma puérpera, se reduz àquela criaturinha banguela.

A medicina do pós-parto está completamente voltada para a criança. Claro que a criança é o ser mais frágil da relação, e merece, sim, cuidados atenciosos - deve ter seu crescimento e desenvolvimento monitorados de perto. Mas o que parece que os médicos (os educadores e a sociedade em geral) esquecem é que, para uma mãe saudável, seu filho é a coisa mais importante do mundo. E que uma mãe saudável é a pessoa mais capacitada para cuidar daquela criança.

Situação bem comum: o bebê não está ganhando peso adequadamente. A maioria dos pediatras não sabe orientar a mãe quanto ao aleitamento e, completamente incapazes de encontrar a raiz do problema e auxiliá-la, recorrem aos leites artificiais. As fórmulas para lactentes - assim como a cesariana - foram invenções que salvaram muitas vidas. Mas, em muitos casos, são receitadas sem que seja feita uma tentativa séria de salvar a amamentação (que, conforme a OMS e o Ministério da Saúde, é o melhor para a criança).

E que tal se a mulher, nos primeiros dois anos de vida do seu filho, tivesse um profissional de saúde para acompanhá-la? Alguém que entendesse de amamentação, de psicologia, de puericultura, de educação? Alguém que soubesse que medicamentos uma lactante pode tomar e que pudesse atender a puérpera em suas crises de saúde, evitando prontos-socorros e internações que afastam a mãe do filho? Alguém que pudesse ouvi-la quanto às crises emocionais que, necessariamente, sucedem o nascimento? Enfim, alguém que a amparasse para que ela pudesse exercer a maternidade da forma mais saudável possível - o que, invariavelmente, teria uma influência altamente positiva no desenvolvimento da criança?

Sonhos, sonhos...

Este post eu dedico a mim mesma, nesse meu 30o aniversário, com 5 meses de parida e, sim: ainda puérpera!

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Na verdade, o ideal seria um profissional que nos acompanhasse ao longo de toda a gestação, parto e pós-parto, como a Tia Brida, enfermeira da minha querida amiga Cíntia na Suécia. A Cíntia começou as consultas com a tia Brida ainda na gestação. Foi ela que ouviu as lamúrias da Cíntia quando ela teve problemas com amamentação e sinais de depressão pós-parto e é ela que, quase dois anos após o nascimento da Beatriz, recebe novamente a Cíntia para dar orientações sobre os cuidados com uma criança dessa idade.

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Para mais reflexões sobre o puerpério, recomendo a leitura do livro "A maternidade e o encontro com a própria sombra", da psicoterapeuta argentina Laura Gutman.

29 comentários:

Ana Paula disse...

Amei o post!
Eu, mãe de primeira viagem à dois meses e pouco, me vejo às vezes meio perdida, meio fora de mim. Aquela Ana Paula já não existe mais, e isto às vezes dói.

Tive o baby blues, chorei pacas (que giria mais antiga), mas passou. O que pega agora é ver meu maridão fazendo exigências mil sem se colocar no meu lugar. É foda.

Ontem, chorando, disse a ele que minha maior alegria e diversão hoje em dia é pagar contas (coisa que nunca gostei), mesmo embaixo de um sol escaldante... Vejo que para homem pouco muda, e a rotina dele continua quase na mesma... Pelo menos é o que se passa por aqui.

Amo minha filha com toda a força, mas preciso de um período só meu, mesmo que seja por milésimos de segundo, para ser uma mãe melhor.

Sorte que tenho minha mãe por perto, e ela me dá uma PUTA ajuda!!!

Bjs!

Cíntia disse...

Primeiramente Feliz Aniversário e seja bem-vinda a casa dos "inta". Você é aquela pessoa especial que sem fronteiras estendeu a mão num dos momentos mais vulneráveis da minha vida. Nunca, nunca mesmo vou te esquecer Lia!
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Eu tenho tanto pra falar de puerpério que daria um post também. Quando eu penso na Beatriz nascendo aqui e no Brasil, eu penso em dois relatos bem diferentes. Como regra da Suécia, no primeiro mês eu tive consulta toda semana. Em uma delas eu respondi um questionário que analisava meu estado emocional pós-parto. Ali já ficou registrada uma evidência de que eu era um caso para se acompanhar. Um dia a Tia Brida me ligou e eu estava chorando. Na mesma hora ela veio até minha casa - de bicicleta. Meu peito espirrava leite. A Beatriz e eu estávamos chorando muito. Meu puerpério durou 60 dias - tirei meu último ponto no dia 02 de junho. As dores físicas e emocionais do pós-partos são inenarráveis, porque as palavras são incapazes de transmitir nossas sensações. Lembro de andar de ônibus em pé cansada, mas não podia me sentar - doía! Intestino preso, infecção de urina, problemas com a amamentação. Felizmente eu não estava sozinha.

Eu sou agradecida pela Tia Brida, uma enfermeira humanizada que soube entender minhas dores e me ajudou de verdade!

Aliás, hoje o fonoaudiólogo ligou. Ela conseguiu para mim um fono que fala português! Tia Brida é o cobertor que nos aquece nessa terra fria!

Beijos Lia e muitas felicidades. Você é uma pessoa incrível! Te admiro cada dia mais!

Para Pietro disse...

Meu (primeiro) rebento nasce daqui uns 25 dias e eu já tenho sofrido por antecipação pensando no que vou enfrentar nessa fase de puérpera. Confiante sempre, mas se existisse gente especializada na/s área/s tenho certeza que alguns mil fantasmas da minha cabeça já estariam mortos.

Lindo blog.

Mariana :)

Anônimo disse...

Ótima ideia! E feliz aniversário, xará! Bjs

Alessandra disse...

Muito legal esse teu texto!!
É verdade, ninguém pensa em ajudar a mãe, para que seu filho possa crescer melhor, pois na verdade quem cuida de tudo é a mamãe, e se ela não estiver bem, os filhos sofrem com isso!!

Beijos

Barbara disse...

Aqui na Inglaterra existem as "health visitors," que supostamente fariam essa funcao. Na pratica, a maioria delas eh meio incompetente, mas tem gente que dah sorte e arruma health visitor do nivel da Tia Brida.
Eu ate tentei pedir ajuda a minha, mas ela acha que controlled crying eh a solucao para todos os problemas e acha muito surpreendente o Jonas ainda mamar. Foi o suficiente para eu decidir me manter bem longe.

Barbara - www.baxt.net/blog

Dani Garbellini disse...

Lia, querida, você não imagina como eu AMEI o seu post. Apesar de grávida, o puerpério é o MEU GRANDE ASSUNTO. Não cabe num comentário tudo que tenho a dizer, vai virar um post, linkando o seu, é claro, porque tenho muito a refletir sobre o assunto, ainda mais depois de tudo que vivenciei e aprendi na imersão que fiz no último final de semana com a parteira mexicana Naoli Vinaver. Quando conseguir escrever, venho contar.
Por hora, tem grupo de apoio de pós parto ai? Se não tiver, funda um! Aqui em Campinas tem e não abrirei mão de frequentar, porque quando Arthur nasceu fez falta, muita falta. E estou com a Laura Gutman e não abro, puerpério vai até uns 9 meses depois do parto, né não?
Beijo, beijo!

Carol disse...

livro este que eu leio e releio e nunca canso, parece que sempre encontro algo novo ali, é incrível.

Eu tenho nove meses de parida e ainda preciso de ajuda! Preciso que alguém (além de vc e seus lindos emails) me de a mao e me diga que nao estou louca em querer seguir amamentando!

Puerperas, precisamos nos unir!

E Lia, sualinda, parabéns, viu? Que vc tenha muitos puerperios bem assistidos pra curtir ainda pela frente!

beijao!

Tathyana disse...

Parabéns Dona Lia!!! Que venham os próximos 30 com saúde e uma penca de filhos.

E sobre essa nova área, acho que não vai demorar muito pra ela surgir. Demanda tem, só que nós não iremos usufruir dela. Sonharemos para as nossas filhas. Bjssss

Fernanda disse...

Lia querida, antes de mais nada parabéns!!
Amo seu blog e suas idéias!!
Esta é outra idéia incrível!!
Beijo

Priscilla Perlatti disse...

Lia, parabéns!
Que post lindo. Meu puerpério ficou há anos atrás, mas senti profundamente cada palavra que você escreveu aqui. É aquela coisa, que quando você chega com seu bebê, seja em uma roda de amigos, família, etc, todos perguntam pelo bebê e, com sorte, um ou dois se lembram de perguntar se a mãe está bem.
Beijos,
Priscilla

Sarah disse...

Muito bom Lia! Quem dera todas as puérperas tivessem esse acompanhamento mais próximo, mesmo que não por 2 anos - pelo primeiro já ajudaria muito! Me vi na história da sua amiga, meu marido tb queria que eu voltasse à vida anterior, custou a entender que as coisas tinham mudado nesse sentido. Eu tive um puerpério bem difícil, custei a voltar pro eixo. Meu foco máximo era no filhote. Só voltei a me relacionar de forma mais normal com o mundo depois que Bento fez 2 anos.
Se a medicina parasse de receitar fórmulas mágicas (e lucrativas...) e fosse mais coerente com o que ela própria determina como ideal, também ajudaria bastante... E achei mto boa a ideia da Dani de grupo de apoio pós-parto, essencial!
Last but not least... parabéns!! Felicidades mil, hoje e sempre!
bjao

Unknown disse...

Lia nunca tinha pensado nisso!
Você está coberta de razão! Um bom profissional que desempenhe as funções que você citou pode fazer toda a diferença na saúde física e psíquica da mãe e do bebe.
Como me fez falta ter um! Talvez minha história com a amamentação tivesse sido outra!
Beijos

Paloma Varón disse...

Meu deus, Lia, o 30o. aniversário só te fez bem, mais um texto irretocável! Parabéns mil vezes!!

Este precisa ser publicado numa revista especializada, está perfeito.

No mais, ainda sou puérpera, quero uma tia Brida para mim!!
Beijos

Tchella disse...

Lia! Tu é um pouco Tia Brida pra mim! Só nao te escrevo mais para nao incomodar hehehehe beijocas, amei o texto e o blog da cintia!

Patrícia Boudakian disse...

Incrível, Lia. Amei. Também leio e releio a Laurita. E me ajuda muito. Mas assumo que muitas vezes me sinto perdida, incompreendida. Ainda bem que posso contar com palavras tão doces e apaziguadoras quanto as suas.

um beijo enorme

Dayane Cavalcante disse...

Concordo inteiramente com você!Bjos!

Patricia disse...

Parabéns Lia! Muita alegria sempre!beijos!

Tatiane do Carmo disse...

Sua linda... sempre escrevendo maravilhosamente as verdades.
Super me identifiquei, sou ex-puépera recente, bebê com 2 meses e pouco mamando em livre demanda, e eu entrando na casa dos 30 mês que vem.
Tenho tanto pra falar, desabafar, mãe de primeira viagem, baby blues que passou, episio chata, ausência de humanismo na saúde, eteceteras desse etapa.
O grande barato dessa blogosfera é isso, saber que todas passamos por altos e baixos.

Faço minhas as palavras da Paloma, esse texto deveria ser publicado numa revista especializada.

Feliz aniversário! Logo logo te alcanço na casa dos "inta".
beijo

Maria Thereza Pinel disse...

Hahaha!!!
Adorei a ideia!!! E não conhecia essa palavra que indicava pós-parto!

Taí, onde assino para mandarmos a sugestão de nova especialidade médica.

Parabéns (atrasado) pelo 30º aniversário! =D
Tudo de bom para você e para essa família linda, sempre!

Fabi Alvim disse...

Muito bom, Lia!!
E PARABÉNS atrasado, né?!! :-)
Que seus sonhos (principalmente esses aí do post..rs) se realizem!!
Beijos

Dani Garbellini disse...

Lia, respondendo sua pergunta, visita a página do grupo Samaúma www.gruposamauma.com.br
Procure em programação, terá o link para o grupo de pós parto e faça contato com a Larissa, que é a coordenadora. Ela é ótima e uma fofa, pode dizer que eu que dei a dica.
Acho que pelo Ishitar (tem ai em BSB, não tem?) é um bom caminho para implementar o grupo ou mesmo colaborar com algo do tipo que já tenham.

Ah! E ontem acabei esquecendo do mais importante, então vai atrasado: parabéns pelo seu aniversário!

Beijos!

Kelly Resende disse...

Lia, parabéns pelo aniversário!!! Amanhã é o da Clara.
Seria maravilhoso se houvesse esse profissional de nome estranho aí. Nossa, como senti falta de alguém pra orientar, ouvir, trocar ideia...
Beijos

Ilana disse...

Lia do céu!
Eu adoro seus posts, mas esse realmente está especial.
Como é difícil ser puérpera! E parece que nunca ninguém olhou pra isso...
Passei momentos internos bem complicados qdo o Raphael nasceu, e agora que estou grávida de novo, o que me fez voltar pra análise foi justamente a lembrança daqueles primeiros momentos. Lindos, mas tão difíceis...
Me dá medo só de pensar no que vou encontrar de novo pela frente.
Adorei!
Bjos

Dani Garbellini disse...

Lia, acabei de escrever um texto sobre puerpério, mas programei para sair na quarta-feira, porque acho que hoje, segundona de carnaval, ninguém vai ler.
Bom, talvez pouca gente leia mesmo, mas é um texto muito importante para mim.
Enfim, já avisando para você dar uma passada ler, tá bom?
Beijos!

Janaína Mascarenhas disse...

Sou puerpera de 20 e poucos dias e escrevendo um post sobre amamentação, me deparei com as mesmas reflexões que você.

Por enquanto, está até mais tranquilo, já que o maridão tirou férias e ele ajuda muito com as crianças (são 3 no total).

Mas já estou sofrendo por antecipação imaginando como será na próxima semana, que ele voltará a trabalhar (e só estará em casa nos fins de semana, porque trabalha no interior), e eu terei que dar conta do babyzinho recém chegado, dos outros dois e de seus respectivos compromissos: escola, inglês e futebol do mais velho; escola, fono, fisio e TO, da do meio, que é especial.

Mas mãe dá um jeito pra tudo, né? Estou confiando nisso.

Josie disse...

OlÁ, sou Josie do Maternidade Despenteia e adorei o post. Me identifiquei muito com ele. Tenho uma filha de 1 ano e 5 meses e outra a caminho. MOro na Espanha há 3 anos e nao imagina que "n"s dificuldades encontrei após o parto e continuo encontrando. Estou com 39 semanas e já imaginando o pos-parto...acho que preciso desse profissional me acompanhando em tempo integral :o)))
Um abraço grande e parabéns

Nine disse...

lia, que texto maravilhoso! Seria um sonho mesmo contar com um apoio assim no pós parto! Quase 20 dias do meu parto e eu estou cheia de questões! Obrigada pelo comentário carinhoso no meu relato de parto! Bjos!

Tatiana F. A. Alecrim disse...

FANTÁSTICO seu post!!!
Sou mãe de primeira viagem, amanhã meu lindo Antônio cometara seus 4 meses de vida, e procurando na net algo para tratar meus sintomas alérgicos me deparei com seu blog. Amei e fiquei sua fã.
Me encontrei nas linhas do seu lindo texto.
PARABÉNS!!!


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