segunda-feira, 17 de maio de 2010

Contos de fadas

Ganhei de presente de dia das mães este livro:



“Fábulas Italianas”, de Ítalo Calvino.

Pra quem não conhece, Calvino é um escritor italiano (dã!) autor de obras fantásticas como “O cavaleiro inexistente” e “O visconde partido ao meio”. Acabei de ler aqui na Wikipedia que ele viveu de 1923 a 85. Ali pelos anos 50, encomendaram-lhe uma coletânea de “fábulas” da tradição italiana, nos moldes daquelas de Perrault (França) e dos Irmãos Grimm (Alemanha). Como erudito que era, ele fez uma profunda pesquisa, reuniu cerca de 200 histórias e as reescreveu.

As fábulas (fiabe) não são essas de animais falantes, com moral da história, como as de Esopo ou La Fontaine. São contos populares, curtos, como contos de fadas mesmo – cheios de reis, princesas, bruxas, ogros, lobos. Uma das fábulas do livro, por exemplo, “Belinda e o monstro”, é exatamente igual à história da Bela e a Fera.

Eu já tinha lido um pedaço desse livro em italiano (meio mal e porcamente, não sou um asno italiano) e amei. Aí recentemente comentei com o marido que tinha uma edição em português e ele acabou me comprando um exemplar de dia das mães. Nem bem deixei de lado o livro que estava lendo, peguei as Fábulas Italianas e comecei a devorá-las. E aí vêm as impressões de mãe.

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Os contos de fadas. Histórias mágicas e com um final feliz que embalaram meu sono durante tantos anos e que quero contar aos meus filhos. E eu empolgadíssima, com dezenas de histórias à mão pra variar um pouco o repertório Branca de Neve – Cinderela – Bela Adormecida – Chapeuzinho Vermelho. E então comecei a meditar sobre essas histórias e censurei metade.

Comecemos pela Branca de Neve. A madrasta manda matar a enteada por ciúmes e trazer seu coração numa arca. Cinderela: a madrasta força a enteada a trabalhar como uma criada e as irmãs rasgam seu vestido antes que ela possa ir à festa no palácio real (licença, caiu uma lágrima aqui). Chapeuzinho vermelho: o lobo come a vovó e depois come a chapeuzinho.

Diga-se que, nas versões antigas (porque não existe uma que se possa chamar de “a original”) de Chapeuzinho Vermelho, não tem caçador pra tirar vó e neta inteiras da barriga, não. Em algumas, inclusive, o lobo serve a carne e o sangue da vovó pra Chapeuzinho como refeição. (Essas versões psicológicas que sugerem que o ato de comer teria conotação sexual surgiram muito depois. Nos tempos medievais, quando apareceu a maior parte dessas histórias, não havia esses requintes e sutilezas e as coisas eram o que eram. Comer = devorar.)

Estava lendo uma das fábulas que parecia muito com a história dos três porquinhos, só que em vez de porquinhos eram irmãs. Cada uma construiu uma casa. O lobo sopra a primeira e come a primeira irmã, sopra a segunda e devora essa também até que não consegue pegar a terceira, que mora numa casa de ferro. Aí eu fiquei esperando o momento em que o lobo vomitaria as outras duas, mas ficou por isso mesmo. A última irmã deu cabo no lobo e viveu feliz para sempre. Mas as outras já eram. Já imaginei a Emília chorando: “Mas mamãe, e as outras irmãzinhas morreram pra sempre?”

Tem também uma que chama “Grãozinho”. A moça tá lá cozinhando grãos de bico, vem um mendigo e pede um decomer. Ela nega e ele roga a praga: “Que todos esses grãos virem filhos”. Aí pulam cem criancinhas da panela, do tamanho de grãos de bico, e começam a gritar: “Mamãe, estou com fome! Mamãe, estou com sede! Mamãe, quero colo!” (essa parte foi engraçada, vai). Aí a mulher desesperada começa a esmagar os filhinhos. Depois que termina o infanticídio, ela se lamenta: “Poxa, podia ter ficado pelo menos um pra ir deixar comida pro meu marido”. Aí o Grãozinho, que se escondeu atrás da asa do bule, diz: “Não chore, mamãe, eu estou aqui.”

Aí lembram de toda aquela discussão que circula na blogosfera materna sobre essa onda de politicamente correto, do povo que canta “boi boi boi boi da cara rosa beija essa menina que é muito amorosa” e coisa do tipo? Pois eu descobri que os contos de fada que contaram pra nós, ainda que extremamente crueis em algumas partes, já são bem romanceados. Sabe aquelas histórias do beijo que tira a princesa do encanto? Li uma fábula que trazia um episódio bem semelhante ao da Bela Adormecida: uma princesa dormia eternamente numa torre, enquanto o reino todo também estava paralisado. Então vem o príncipe e faz o quê? Passa a noite com a princesa, furumfumfum. E coloca uma placa ao pé da cama: “Aqui passou uma noite deliciosa o príncipe Fulano.” Nove meses depois a princesa dá à luz e o encanto se quebra. Lindo, não?

Continuo lendo o livro e marco com um X as histórias que acho legal contar pra Emília. As outras são censuradas, tipo essa do grãzinho. E aí, em vez de ficar filosofando sobre o papel dos contos de fada na formação moral e emocional da minha filha, se melhor expor a crueldade da vida, se melhor escondê-la completamente, simplesmente escolho no faro histórias que eu acho que ela gostaria de ouvir. Que a fariam sonhar, imaginar, e cair num sono feliz. Assim, no feeling. E aí depois a gente vai vendo as reações dos nossos filhos, reconta as histórias adoradas e mete no fundo da gaveta as demais.

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E ganhei este aqui também:



“Perde quem fica zangado primeiro”, do mesmo autor. É uma das fábulas da coletânea, numa edição para crianças, toda ilustrada. Ainda não li, mas esse não deve ter 99 filhinhos esmagados pela mãe ou coisa do tipo.

5 comentários:

Marina disse...

Lia, kakakakakaka!
Olha, sabe que eu acho essa onda do politicamente correto chata, mas essas historinhas aí, Deus me livre de contar pra Bia... A menina nem ia conseguir dormir.

Tô há tanto tempo sem comprar um livro decente pra mim, acho que desde que a Bia nasceu não leio nada que não seja obre filhos... Essa semana vou catar um pra ler!

beijoca

Ana disse...

kkkkk
Sempre achei essas histórias infantis no minimo esquisitas.
Essa do Grãozinho não conhecia.
Final meio "violento". Mas que é hilário isso é!
Rs
Beijos!

Coisa de mãe disse...

Todas esses contos de fada estão repletos de uma ideologia muito arraigada. Chapeuzinho reproduz a ideia de que, quando desobedecemos à mãe, acabamos mal; os três porquinhos passam a mensagem de que, trabalhando, não sendo preguiçoso, tudo termina dando certo... E por aí vai. Mas, apesar de tudo isso, acho mesmo que o feeling é a melhor coisa porque não podemos protegê-los de todas essas percepções já cristalizadas. Eles vão ter que formar uma opinião própria... E acredite: Com o tempo, isso acontece, quando a gente menos espera...
Já estive por aqui antes, mas fazia tempo que não visitava! Foi ótimo voltar!
Bjs.

Marcella Nathaly disse...

Ótimo, adorei esse post, pensei que só eu ficava filosofando essas coisas! Veja "Atirei o pau no gato", por exemplo: a pessoa meteu o pau no pobre do gatinho, maltratou o animal e ainda se lamenta porque ele NÃO MORREU!!! kkkkkkkk Ninguém pensou nisso antes? =D

Christina Frenzel disse...

Lia, eu também não sou muito políticametne correta no que diz respeito aos contos de fadas, não. Tem coisa muito chata, credo! rsss

Gostei do livro, vou dar uma procurada por aqui. O que lí e AMEI, durante a gravidez foi 100 Promessas para Minha Filha, da Malika Chopra (filha do Deprak Chopra), muito, mas muito interessante!

Beijocas


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