Há umas duas semanas apareceu na blogosfera materna uma discussão a respeito do que se chama de parto humanizado. Quem inaugurou o tema foi a Paloma, com
este post. Depois a
Roberta lançou mais lenha na fogueira, a Paloma deu
sequência ao assunto,
mais uma vez a Rô, e
finalmente a Paloma.
Em suma, elas levantaram o problema da impossibilidade de a maioria esmagadora da população brasileira optar por um parto normal, com um mínimo de intervenções (enfim, um parto saudável, conforme preconiza a OMS), devido aos altos valores que são cobrados pelos médicos ditos humanizados. E que, portanto, não seria justo criticar muitas mulheres que são submetidas a cirurgias porque tiveram de fazer seu pré-natal com um médico que atendia pelo seu plano de saúde.
Depois a
Patrícia entrou na roda e defendeu que a maternidade é muito mais que o parto.
Demorei, mas aqui estou eu pra polemizar ainda mais! E trago o relato de uma médica honesta e competente, defensora do parto humanizado, acerca do problema que está em discussão: o preço do parto normal.
Apenas reproduzo o que ela me escreveu quando lhe mostrei os posts da Paloma e da Roberta.
Infelizmente, chego à conclusão de que tanto médicos honestos quanto mulheres que desejam o parto normal estão em uma situação difícil neste país. A solução? Partos realizados por enfermeiras, com a presença do médico apenas no caso de complicações (como acontece em alguns países da Europa)? Plantonistas capacitados a fazerem parto normal, de modo que os médicos não fiquem à mercê da imprevisibilidade dos horários e da duração de um trabalho de parto?
Não sei. Sei que é um problema estrutural na saúde brasileira e que ainda estamos muito distantes de uma realidade na qual todas as mulheres terão o direito de optar pela forma de dar à luz. Hoje, se pode optar por uma cesariana. Mas, infelizmente, nem todas podem optar pelo parto normal.
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“Não sei quanto os médicos mencionados nos textos que você me mandou cobram, mas não tem como assistir a partos pelo pagamento efetuados pelos planos de saúde. Vou te contar minha experiência própria.
Quando comecei a atender consultório foram surgindo as pacientes.
Isso há 3 anos. E eu comecei a assistir partos de cócoras, humanizados, coisa e tal. O que eu acreditava. Então o consultório começou a encher. E eu atendendo tudo pelo convênio. Que paga 330 reais pelo parto, menos impostos, taxa de cooperativa, ISS, etc, etc., ficava com 250 no final.
Bem, Lia, meus colegas de consultório também FAZEM partos por convênio. Mas eles FAZEM. Marcam todos para a sexta de manhã (5 cesáreas), começam as 7 e às 10 já estão acabando, com todas as fotos tiradas, todos os familiares do lado de fora felizes. Então pegam o carro, vão para o Sítio e me pedem para dar alta nas operadinhas no sábado, já que eu vou estar aqui mesmo, assistindo parto no fim de semana.
POR QUE VOCÊ ACHA QUE 80% DOS PARTOS EM CONVÊNIO SÃO CESÁREAS??
Nós somos menos de 1% dos obstetras do Brasil. Somos motivo de piada. Quando fico 15 horas com uma paciente em TP, pago alguém para ir no plantão para mim, falto meu emprego público (levo retaliações...), desmarco as pacientes do consultório.... e ainda tenho que enfrentar os OLHARES ACUSADORES dos médicos e enfermeiras do hospital onde estou com a paciente. Todos ficam torcendo e fazendo TUDO para o parto dar errado. E quando vira cesárea vem aquele sorrizinho no canto do rosto...
Bem, voltando à minha história, eu surtei. Fiquei louca correndo de um lado para o outro, deixando pacientes no Posto de Saúde sentadas esperando e saía correndo pra assistir parto, ligando pra mil pessoas no meio de um plantão no SUS para elas irem ficar no plantão pra mim para eu ir assistir parto... Assisti parto com enxaqueca, vomitando, com diarréia.... Tudo porque se eu não fosse, as pacientes seriam operadas ou teriam um parto normal "anormal"... E aí eu sofria demais...
Eu surtei, fui parar no psiquiatra, estressada, fazer terapia. Após muitos meses de terapia consegui entender que meu trabalho tem valor. E que não há problema em receber para trabalhar. Sim, porque assistir partos não é diversão, é trabalho. (Eu achava que era diversão...)
Eu queria viajar em julho, mas não vou poder, porque tenho UMA paciente que estará a termo. Meu marido não fica muito feliz com isso, sabia? Ele não gosta quando eu saio da cama de madrugada, quando eu desmarco compromissos, quando falto jantares ou saio do meio de aniversários. Meu celular fica ligado no culto, no cinema, enquanto tomo banho, enquanto faço sexo.
Toca toda hora.
Por que um cirurgião plástico pode cobrar e um obstetra não?
O que se cobra não é a HUMANIZAÇÂO, mas a disponibilidade para assistência de 37 a 41 semanas. QUEM REALMENTE ASSISTE PARTOS não tem vida normal.
No mês passado saí do meio do aniversário de 1 ano porque uma paciente da mãe do aniversariante estava em TP. E queria parto normal. De cócoras. Não podia ser assistida pelo plantonista. Então, sem comer NENHUM brigadeiro saí da festa e corri pro hospital, de bermudinha e salto alto, para ficar com ela até altas horas da noite, quando a festa acabou e sua médica foi assistir seu parto de cócoras. 12 horas de TP, indução por bolsa rota sem TP.
Enquanto o parto não for valorizado, a taxa de cesareanas não vai cair no Brasil.
Atualmente estou certa de que é abusivo e vergonhoso o que os planos de saúde fazem.
E já aprendi: se seu médico não falou em cobrança, vai operar.
Por que se ele sair de um plantão no meio do domingo para ir assistir seu parto, vai ter que pagar no mínimo 800 reais para o colega que vai ficar no lugar dele...
E quanto vale sair da própria vida para assistir partos? E quem tem filhos? E quanto eu tiver bebês e tiver que deixá-los com NAN por ter que ficar mais de 12 horas fora de casa?”