A cabeça dela na minha
mão. “É tão pequena”, eu disse. Descia, voltava um pouco. Com
umas três ou quatro forças, anunciei: “Nasceu a cabeça!”. A
parteira pediu calma antes que eu continuasse fazendo força para
fazer nascer o corpinho.
“Agora, o Rafael vai
receber seu bebê”, disse a parteira. Eu, mesmo com o tronco
voltado para frente, numa posição em que certamente ela sairia por
trás, pensei: “Até parece”.
+++
Dia 24 de julho. Às
vésperas de completar 39 semanas, começo a perder o tampão. É dia
de consulta com a parteira. A cabeça do bebê ainda está flutuando,
mas minhas filhas sempre nasceram dentro das 24h seguintes à perda
do tampão.
Vamos todos jantar
fora, Rafael, eu e as meninas. Chegamos em casa exaustos, e marido
tem a brilhante ideia de assistir à final da Libertadores. Vou
dormir. Levanto à meia-noite, ele ainda está na sala. Prorrogação,
pênaltis, e não consigo dormir até que ele venha pra cama, já
mais de meia-noite e meia.
Às 4h do dia 25,
acordo com contrações intensas, a cada 8 minutos. Peço ajuda pro
Rafael, que mal consegue se manter acordado. Me sinto sozinha, a
cabeça cheia de coisas: precisamos encher a piscina, preciso que o
Rafael pressione minhas costas, mas ele dorme. Ligo pra doula, pra
amiga (que também é doula) que prometeu cuidar das meninas durante
o TP e pra fotógrafa. Logo descubro que minhas parteiras estão
atendendo outro parto, e que a doula oficial também terá de atender
outra pessoa que estava, aparentemente, com o TP mais avançado. O
sol nasce, e meu TP vai embora. Mando todo mundo embora. “Vão
descansar, depois eu chamo vocês.”
Dia 25 de julho. O TP
não foi embora de fato, continuo com contrações ritmadas, só que
agora um pouco mais espaçadas. Acho que não fui mesmo feita pra
parir de dia. Emília vai pra escola, Margarida dorme e Rafael e eu
conseguimos dormir um pouco pela manhã. Recoloco as ideias no lugar,
me acalmo. É uma chance de recomeçar.
Depois do almoço,
vamos fazer um piquenique no parque com minha amiga doula, a filha
dela e as minhas. Já sinto vontade de vocalizar durante as
contrações, que ainda estão a cada 9 minutos mais ou menos.
Perto das 17h o cansaço
começa a bater. Vamos pra casa, colocamos as meninas pra dormir bem
cedinho, 19h.
Não consegui mais
dormir de fato, mas deu pra descansar até umas 22h, quando, com as
contrações já mais intensas e bem ritmadas, entrei no chuveiro, eu
e a bola. Não acompanhei as horas, não cronometrei as contrações.
Achei que estava na hora de chamar todo mundo e pedi pro marido
ligar. Ele hesitou, não sabia se estava na hora mesmo, já que eu
tinha tido um TP que foi embora, mas a parteira ouviu meu gemido pelo
telefone e insistiu em vir logo.
Lá pelas 22h30, 23h eu
acho, estavam todas aqui – parteira, parteira auxiliar,
amiga-doula-babá e a fotógrafa, que chegou um pouco depois das
outras. Minha doula oficial não pôde vir, estava em outro parto;
mas como eu tinha mais duas doulas em casa (a fotógrafa também era
doula), não foi problema. Aliás, disseram que eu não precisava de
doula nenhuma. Se ocuparam com a piscina enquanto eu permanecia
sozinha no chuveiro.
Estava tudo muito
fácil. Eu cantava, como fiz no parto da Margarida, mas desta vez
consegui continuar cantando por muito mais tempo. Eram músicas de
louvor ao meu Deus. Às vezes mesmo durante as contrações eu
conseguia continuar cantando, claro que com uma entonação bem
diferente. Às vezes eu parava de cantar e vocalizava um gemido
longo. Gritar, eu não gritava. Também não precisava de ninguém
pra me ajudar com a dor (que nem dava pra chamar efetivamente de dor,
tão bem eu a estava administrando). Convidei o Rafael pra entrar no
box mais pra me fazer companhia (ou para que eu fizesse companhia a
ele). Conversávamos, ríamos, era bom. Quando a coisa começou a
apertar um pouco mais, pedi que ficasse atrás de mim, pressionando
minhas costas. “Mas sem interromper o fluxo de água do chuveiro,
viu?”
De repente, comecei a
urrar e fazer força. Assim, naturalmente, sem que eu tivesse tido
aquela sensação de que não ia acabar nunca, sem que eu me sentisse
cansada. Não me senti cansada em nenhum momento durante este parto –
diferente de quando Margarida nasceu, quando eu tive de deitar entre
as contrações; e bem diferente de quando Emília nasceu e eu quase
apaguei no expulsivo. “A piscina já está pronta?”, perguntei.
Estava. Me enrolaram num roupão, perguntaram onde estavam meus
chinelos. “No tanque. Estão imundos de terra, por causa do passeio
de hoje à tarde.” Fui até a sala descalça mesmo, meu piso é de
madeira, aconchegante.
A água estava uma
delícia, mas não era funda como eu esperava. O que me deu de alívio
foi uma pausa um pouco maior entre uma contração e outra, mas não
por muito tempo. Era a hora de pirar. “Ai, agora tá doendo!”.
Essa parte foi insana.
Clamei pelo sangue de Jesus, pedi a Deus que não me deixasse só.
Pensei – só pensei: “Onde eu fui amarrar minha égua? Cadê
minha cesárea?”. No meio disso tudo, a piscina furou, a água
começou a vazar, todos tentando resolver a questão, inclusive o
Rafael. “Ei, tem gente demais resolvendo isso! Vem alguém aqui
ficar comigo!”. Marido obedeceu. Entre as contrações (se é que
existia entre as contrações) ele procurava outra posição que não
fosse atrás de mim: “NÃO TIRA AS MÃOS DAS MINHAS COSTAS! É pra
ficar com as mãos aí o tempo todo!”. Marido obedeceu.
Daí já surtando,
perguntei pra parteira: “Cadê esse bebê?”. “Olha aí”, ela
respondeu. Cabe notar que, como no parto da Margarida, não tive
nenhum exame de toque. Eu sabia que o bebê estava baixinho pela
posição do coração na ausculta, quase na minha sínfise púbica.
Mas não sabia sequer se eu já estava totalmente dilatada. Coloquei
dois dedos lá embaixo, e quando estava no segundo nó dos dedos
senti uma coisa dura. “É a cabeça”. E aí eu não tirei mais a
mão de lá, só queria fazer força e colocar meu bebê pra fora.
Daí comecei a senti
uma coisa diferente, parecia um balãozinho partido em dois. Era a
bolsa, que rompeu na minha mão. Com uma ou duas contrações, a
cabeça já começava a sair. E assim como foi com minha segunda
filha, eu mesma recebi minha caçula.
Momento para nunca mais
esquecer. Seu corpo no meu, cheio de vérnix. “Deixa eu ver se é
você mesma”. E ri. “Taíza, você errou!”. Era ela. Ana.
+++
Taíza,
minha amiga-doula-babá, que no último trimestre da minha gestação
começou a achar que era um menino, foi acordar as crianças. Emília,
ferrada no sono. Margarida, acordadíssima e rindo na cama. Emília
me apareceu com a maior cara de fascínio do mundo e cortou o cordão,
como havíamos prometido que faria. E aí se seguiram aqueles
momentos gostosíssimos do pós-parto imediato: sanduíche delicioso
preparado pela parteira, avaliação gentil do bebê sobre um
cobertorzinho aquecido, muito chamego nas filhas mais velhas. E na
avaliação da mamãe ganhei de presente um períneo íntegro (ou
levemente “ralado”, nas palavras da parteira auxiliar).
Aninha
nasceu à 01h05 do dia 26 de julho de 2013, pesando 3,525kg e medindo
50cm.
Salmos 126
1. Quando o SENHOR restaurou a sorte de Sião, ficamos como quem
sonha.
2. Então, a nossa boca se encheu de riso, e a nossa língua, de
júbilo; então, entre as nações se dizia: Grandes coisas o SENHOR
tem feito por eles.
3. Com efeito, grandes coisas fez o SENHOR por nós; por isso,
estamos alegres.
4. Restaura, SENHOR, a nossa sorte, como as torrentes no Neguebe.
5. Os que com lágrimas semeiam com júbilo ceifarão.
6. Quem sai andando e chorando, enquanto semeia, voltará com
júbilo, trazendo os seus feixes.