quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Relato do parto de Margarida - Parte 5

Terceiro período

Depois que a cabeça sai, o resto é fichinha. Até aquele corpão gorducho escorrega com facilidade. Aliás, eu não senti aquele círculo de fogo, aquela ardência do coroamento. Senti arder o períneo quando a cabeça começou a sair, mas foi só. Acho que era tanta adrenalina que eu me auto-anestesiei.

Ali estava eu, no momento mais precioso do parto, que dura uma fração de segundos e do qual a gente sente saudades pra sempre. Pegar minha filha, levá-la ao colo, sentir o calor do seu corpo pela primeira vez. Margarida nasceu ótima, corada, respirou logo e não precisou de aspiração ou qualquer outro procedimento para ajudá-la a entrar no mundo. Ofereci o seio, mas ela não quis já. Ficamos ali enquanto eu esperava a placenta sair – o que levou só uns 10 minutos e foi totalmente indolor. Daí eu me lembrei do cordão (com a placenta fora de mim, o cordão começou a me incomodar) e eu pedi: “Corta logo! Parto de Lótus, não!”. Rafael cortou então o cordão. Acho que ofereci o seio de novo, não lembro bem.

Depois de toda essa glória, chegou a polícia. Aparentemente, os vizinhos se assustaram com a gritaria e acionaram a segurança pública. Eu tinha ouvido toques de interfone e campainha durante o expulsivo, mas consegui abstrair. O Rafael ficou bem irritado. Depois de nascida Margarida, autorizei meus escudeiros a se ausentarem pra atenderem a porta. “Nasceu um bebê, todos estão bem”, explicou a doula. Eram dois. Um deles ficou meio desconfiado e pareceu querer entrar pra checar a história, mas o outro preferiu nos deixar em paz.

Por volta das 6h30, minha irmã apareceu no quarto com Emília no colo. Essa parte foi fantástica. Mesmo com a gritaria no quarto ao lado, Emília dormiu a noite inteira e acordou mais tarde que de costume. Nas últimas noites, ela vinha despertando uma ou duas vezes durante a madrugada e levantava de vez às 5h30. Foi perfeito.

Emília recebeu a irmã com um olhar de fascínio e quis mamar junto com ela. Amamentar duas ao mesmo tempo não é nada fácil; faltam braços pra ajudar na pega. O momento foi mais pra elas duas, porque Margarida ainda não tinha pegado o jeito e ficou só mesmo recebendo os carinhos da irmã.

Logo depois que Emília terminou, Margarida pegou o seio de jeito e mamou muito bem. Parece que se inspirou na irmã. Ela tinha pouco mais de meia hora de vida. Só depois ela foi pesada e medida, ali mesmo ao pé da minha cama: 3,9kg e 52,5cm. Três centímetros e 700g maior que a irmã. Impossível não se sentir poderosa depois de parir um bebê desse tamanho (tenho 1m57).

Emília recebeu o presentinho da irmã – um carrinho com uma boneca – e foi toda serelepe empurrá-lo pelo corredor. Brincou com o projeto de piscina que jazia semi-inflada na sala, enquanto o Rafael telefonava para os parentes. Depois, Rafael e a doula foram dar banho em Margarida no Tummy Tub, enquanto a parteira checava como eu estava.

Tive uma pequena laceração, que não precisou de pontos. O que protegeu meu períneo: a posição do expulsivo, de cócoras sustentada; as compressas mornas com azeite que a parteira fazia. Eu tinha feito também aqueles exercícios de Kegel e massagem no períneo durante a gestação, sem muita disciplina. Não sei se fez diferença. Em todo caso, acho que lacerou porque a gente precisou fazer Margarida sair logo e porque a mocinha era graúda. Pra quem já tinha tido uma episiotomia no parto anterior, foi uma maravilha. Incomodava um pouco, mas nada que me impedisse de sentar ou caminhar. Com dez dias de parida eu já não sentia absolutamente nada, estava perfeitamente cicatrizada. Com a episio, eu tinha ido pra casa com duas caixas de anti-inflamatório (um deles tarja preta), analgésicos e um spray chamado Aldolba (não sei o princípio ativo; preferi não saber). Desta vez, fiz apenas compressas geladas com um chá próprio para o períneo durante três dias e lavagens alternadas com iodo e chá. Fiz também um banho morno de assento com o chá pro períneo e tomei arnica homeopática. Sem drogas no leitinho das crianças.

E depois da polícia, dá-lhe mais campainha. Primeiro a diarista, que ficou impressionada com as roupas sujas de sangue e quase passou mal. Depois, o entregador de orgânicos. E mais tarde, a família. Um sábado como outro qualquer, só com um pouco mais de sangue e autoridades policiais que o normal.

Uma das coisas que costumo ler em relatos de partos domiciliares e que pude viver nesse parto foi a continuidade da vida. Não há rupturas, não há quebras. Não saímos do nosso ninho, não há grandes produções, grandes resguardos. Simplesmente o sol nasce e há mais uma criança em casa. Tomamos nosso chá, damos café da manhã ao filho mais velho, recebemos o entregador de orgânicos. Assim, como um dia qualquer.

Mas um dia perfeito.


Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que a edificam;

se o Senhor não guardar a cidade, em vão vigia a sentinela.

Inútil vos será levantar de madrugada, repousar tarde, comer o pão de dores,

pois assim dá ele aos seus amados o sono.

Eis que os filhos são herança do Senhor, e o fruto do ventre o seu galardão.

Como flechas na mão de um homem poderoso, assim são os filhos da mocidade.

Bem-aventurado o homem que enche deles a sua aljava;

não serão confundidos, mas falarão com os seus inimigos à porta.

Salmo 127

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Relato do parto de Margarida - Parte 4

Em trabalho de parto

Sua ira dura um momento; seu favor a vida inteira; de tarde vem o pranto, de manhã gritos de alegria.

Sl 30:5

Aquela sexta-feira terminou como sempre: Rafael deu banho em Emília e eu a levei pra completar o ritual do sono. Sequei, passei óleo, vesti, escovei os dentes e dei o mamá dela. Ela dormiu e fui tomar banho. Como costumava acontecer nas últimas semanas, seguiram-se algumas contrações depois da mamada.

Fiquei observando essas contrações até irmos pra cama, e ali pelas 21h resolvi ligar pra minha irmã. Tínhamos decidido não contar à família para não gerar tensões desnecessárias, mas precisávamos de alguém pra ficar com Emília. Então escolhemos a Bel para assumir a tarefa.

Liguei também pra parteira e pra doula para deixá-las de sobreaviso, mas disse que eu ainda iria dormir e que as coisas poderiam demorar um pouco pra acontecer. Se não me engano, nessa hora as contrações estavam a cada 13 minutos mais ou menos. A doula ficou super feliz e depois me contou que saiu correndo do evento onde estava para ir dormir também. A parteira disse que deixaria suas coisas prontas (depois eu vi a bagagem que ela traz... impressionante como ela conseguiu subir com tudo aquilo sozinha, parecia que estava de mudança).

Por volta das 00h30 acordei, não me lembro se com uma contração ou com a bexiga cheia. Fiz xixi e acho que tentei deitar de novo. Não lembro exatamente a sequência dos eventos. Sei que tive fome, comi pão com geléia e requeijão e tomei um copo de suco de uva. Depois, fui pro banho, pra conferir se era mesmo trabalho de parto. Saí do banho e vi que as contrações continuavam firmes e, aparentemente, regulares. Era mais ou menos 1h30 quando acordei o Rafael. Conseguimos contar algumas contrações e o intervalo era de uns 10, 8 minutos, e ia diminuindo. Continuei deitada de lado, e a cada contração o Rafael fazia pressão nas minhas costas. Ainda conseguíamos cochilar entre as contrações, estava tudo ótimo.

Ali pelas 2h, a coisa começou a incomodar um pouco mais. É engraçado que, do nada, vem uma contração bem mais dolorida que a anterior. Corri pro chuveiro e mandei o Rafael ligar pra doula. Assim que ele terminou a ligação, mandei ele chamar logo a parteira também. Sei lá, segundo filho... eu que não queria um parto desassistido. Pedi também que ele acendesse as velas, mas achei que era cedo pra armar a piscina. (Só depois eu vi como a casa ficou linda à luz de velas. Comprei várias especialmente pro parto).

Eu tinha levado minha bola suíça pro banheiro. Balançava suavemente e, durante as contrações, quicava na bola. Eu cantava o tempo todo, e isso me ajudava a passar por cada contração. Com a água quente nas costas e a presença do Rafael, foi tranquilo esperar pela doula. Ela chegou pouco antes das 3h e, uns vinte minutos depois, chegou a parteira.

A doula ficou comigo no box, apertando uns pontos na minha mão a cada contração. Eu ainda cantava, mas não conseguia mais emitir palavras durante as contrações; só cantarolar a melodia, abrindo a boca no pico das contrações. A partir desse momento, não faço a menor ideia de quanto tempo durou cada uma das etapas seguintes. Sei que fiquei um tempo com a doula, enquanto o Rafael foi inflar a piscina. Depois o Rafael assumiu de novo seu lugar e ficamos só nós dois no banheiro.

Nesse meio tempo, a parteira chegou pra me avaliar. Só que como eu estava no meio de uma contração, ela só checou o coração do bebê e me deixou no banheiro, não lembro mais se com o Rafael ou com a doula (no meu plano de parto eu pedia a máxima discrição da equipe.) A um dado momento, eu, que estava conseguindo dominar bem as contrações, comecei a perder o controle. Então eu gritei pedindo ajuda e a doula veio me orientar sobre a melhor forma de respirar. Ela ficava na minha frente e o Rafael, nas minhas costas, pressionando a lombar. Foi alívio imediato, e voltei ao jogo.

Acho que nessa hora eu já tinha me livrado da bola e assumia a posição de quatro quando vinham as contrações. Já mais no controle da situação, chamei a parteira e disse que ela poderia me avaliar. “Não precisa. Está tudo indo muito bem.” Fiquei pasma. Como assim, não precisa? “Não precisa. Só se você quiser”. Trabalho de parto sem toques? Confiei, achando excelente não ter de sair dali para uma avaliação do colo. Eu já tinha percebido que da primeira vez em que ela tinha ouvido o coração do bebê ele estava à direita (dorso à direita). Da segunda vez, o coração já estava no centro da minha barriga, bem baixinho. Ou seja: o bebê já tinha girado pra descer pelo estreito inferior da pelve. E girou no sentido anti-horário, contrariando o mito de que bebê com dorso à direita tem de dar toda a volta pelo sentido horário até chegar ao meio, em partos longos e dolorosos. Pois minhas filhas giram ao contrário.

(Aliás, provavelmente por isso meu corpo pedia pra ficar de quatro. A força da gravidade ajudou as costas do bebê a irem pro meio da minha barriga.)

Ali, naquele chuveiro, com as contrações cada vez mais próximas, a sensação que eu tinha era a de estar num caminhão sem freio. Eu dizia pra doula: “Está indo rápido demais!” Ela dizia que estava ótimo, mas eu estava atordoada. Não estava acostumada com aquilo. O parto de Emília tinha sido tão forçado, tão arrastado...

A parteira já tinha decretado que não havia tempo de encher a banheira, a menos que alguém se ausentasse e ficasse só por conta disso. E eu não podia abrir mão de ninguém perto de mim, precisava de todo mundo ao meu lado. Também não deu tempo de chamar outra parteira muitíssimo experiente, que nos daria seu apoio (mais moral mesmo, porque ela já está bem velhinha). Mas mesmo sem banheira e sem a outra parteira, foi tudo perfeito, e me senti totalmente segura.

Ali naquele turbilhão, comecei a ficar exausta. Precisava deitar entre as contrações, então pedi pra ir pra cama. A doula e o Rafael me enxugaram; eu sentia muito frio. Deitei enrolada nas toalhas, enquanto eles terminavam de me secar, e continuei ficando de quatro nas contrações, deitando de lado no breve intervalo entre elas. Aos poucos, meu corpo foi pedindo pra ficar cada vez mais na vertical. Primeiro de joelhos; depois, fui tendo o reflexo de abrir uma das pernas, tentando me acocorar. Mas era muito difícil (fiquei de cócoras a gravidez inteira, muitos minutos seguidos, sem nenhuma dificuldade. Mas, naquele momento, eu já não tinha controle sobre meu corpo; ele trabalhava sozinho). Eu sentia dor o tempo todo, porque Margarida fazia muita pressão nas minhas costas. Então, se não era a contração, eram minhas costas.

A doula perguntou se eu não estava com vontade de fazer força. Eu achava que não, mas experimentei e achei que deu certo. A parteira sugeriu que eu usasse minha voz pra fazer sons mais guturais, como urros de um urso, pra dentro – em vez daqueles gritos estridentes que só fazem a gente se desesperar mais. Os urros ajudavam demais na força que eu fazia. Eles me faziam encaixar o quadril e jogar a pelve pra frente, num movimento que torna o caminho pelo qual o bebê desce menos tortuoso e mais fácil. Nisso eu sentia uma bola dura dentro de mim (a cabeça dela) girando e descendo cada vez mais. As contrações em que a cabeça descia eram as mais dolorosas.

Quando viu que eu estava tentando me acocorar, a parteira sugeriu a banqueta de parto, e a colocou ali mesmo, em cima da cama. Foi excelente. A banqueta deu ao meu quadril a abertura extra de que ele precisava pra passar minha meninona.

Em um dado momento, a parteira me disse que fizesse um esforço extra porque o bebê precisava nascer logo. Não ouvi os batimentos cardíacos desacelerando, mas eu sabia que agora era comigo. Sabia que minha filha estava bem, mas sabia também que havia trabalho a fazer. Essa etapa foi extremamente desafiadora, mas minha participação ativa ajudava a aliviar a dor. Eu me sentia muito cansada; dizia que não ia conseguir. A parteira dizia: “Vai, você vai conseguir.” Então ouvi um “ploc!”. Era a bolsa. Eu tinha o sonho de que meu bebê nascesse dentro da bolsa, mas a parteira e a doula ficaram tão felizes com a ruptura naquele momento que eu pensei que devia ser bom. Provavelmente porque, depois que a bolsa rompe, a cabeça desce mais rápido. E foi isso que aconteceu.

A parteira pegou o espelho e tentou me mostrar a cabeça. Eu não vi nada, mas acreditei e mandei mais força. Comecei a perceber um pedacinho da cabeça com as mãos e senti a parteira futucando meu períneo; acho que era pra dar uma alongada (nessa hora eu pensei: fosse no hospital, já estavam com a tesoura em mim). Quando ela tirou o dedo, eu mesma comecei a fazer isso também. Até que a cabeça saiu. Coloquei minhas duas mãos sobre ela e esperei a próxima contração. Passei o dedo no pescoço e avisei: “Não tem cordão!”. Acho que a parteira entendeu o que eu queria dizer. “Ela está girando”, avisou a parteira. E veio o corpo na contração seguinte. Enfiei meus dedos sob as axilas e peguei o que era meu. Levei aquele corpinho molhado pro meu seio, sabia que ela estava ótima. Ouvi seu choro suave, de quem nasceu sem violência e chora só pra limpar os pulmões. Então passei os dedos por entre suas pernas (não quis abrir as perninhas e olhar, pra ela não sentir frio) e anunciei: “É uma menina! É a Margarida!”.

Eram 5h58.

(continua...)

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Relato do parto de Margarida - Parte 3

Pródomos

Com 39 semanas completas, exatamente a idade gestacional que eu tinha quando Emília nasceu, comecei a sentir contrações diferentes. Elas vinham com cólicas intestinais, eram mais firmes, duradouras, e irradiavam das costas até o útero, abraçando o bebê. Ainda eram bastante irregulares, então eu sabia que as coisas poderiam demorar ainda dias ou semanas para começarem a acontecer de verdade. Mas sabia também que meu corpo já estava se preparando para trazer aquele bebê ao mundo.

Era uma segunda-feira e, como de costume, fui sozinha à Água Mineral (Emília estava na escolinha e eu já havia parado de trabalhar havia tempos). Enquanto caminhava pela trilha, recordava onde eu estava quase um ano e oito meses antes: no hospital, sem contrações, internada cedo demais – provavelmente em pródomos. Desta vez eu estava no meio da mata, livre, esperando que minha filha viesse naturalmente.

Eu havia estado um pouco tensa no fim de semana, provavelmente pela chegada das 39 semanas. Me preocupava com outra gestante que estava sendo acompanhada pela mesma parteira que eu, que já cumpria 41 semanas e ainda não tinha parido. Me preocupava não sei mais com o quê; sei que chorei muito esses dias, provavelmente num processo de esvaziamento que acompanha o parto.

Nos dias seguintes, as contrações foram ficando mais significativas e mais frequentes. Na quarta-feira, 7 de setembro, comecei a perder um pouquinho de muco. Comuniquei à parteira que estava em pródomos, e naquele mesmo dia a outra gestante entrou em trabalho de parto. Foi um alívio pra mim, porque eu tinha medo dos partos simultâneos, mas ainda temia entrar em trabalho de parto naquele mesmo dia ou no dia seguinte e pegar uma parteira em frangalhos. Mesmo assim, aquele feriado foi um dia ótimo. Consegui me desligar um pouco, me convenci de que tudo daria certo, e curti a folga com o marido e Emília.

Dia 8, quinta-feira, fui à consulta com a obstetra. Escolhi uma médica com quem eu pudesse ser honesta, contar dos meus planos de parto domiciliar com parteira e ter um amparo caso fosse necessária uma transferência para o hospital. Ela também me acompanhou num pré-natal muito pouco invasivo – só uma ecografia (morfológica do 2º trimestre) e três exames de sangue. O único exame que eu preferiria não ter feito foi a curva glicêmica, mas que deu normal e confirmou que minha altura uterina bem acima da média não significava diabetes gestacional.

Tudo ok na consulta. Ela ofereceu fazer uma avaliação do colo, mas preferi não fazer. “Se você me disser que eu tenho 1cm de dilatação, depois de quatro dias de pródomos, posso desanimar. Se disser que tenho 4cm, posso achar que vou parir hoje e o bebê resolver nascer só semana que vem. Então prefiro não saber.” Ela me respeitou e ficamos sem o exame de toque.

Mas naquela mesma consulta começou o movimento tenso que aquele dia sequíssimo, com a cidade em chamas, traria. Descobri que eu havia lido errado o exame de cultura de Streptococo do grupo B. Eu achava que era negativo, e era positivo. Sabendo disso antes, eu poderia ter feito um tratamento com alho, chá de tea tree e clorexidina (um bactericida). Mas agora não havia tempo pra muita coisa. A médica me deu a opção de tomar um antibiótico via oral (para o qual não existem evidências científicas) ou comprar um intravenoso para ser administrado durante o parto. Ocorre que não conseguimos comprar o medicamento intravenoso, que só é vendido para hospitais.

Quando saíamos da farmácia meio sem saber o que fazer, ligaram da Funasa para agendarem uma perícia devido aos meus atestados médicos. Falei que iria à tarde e descambei a chorar. Tudo o que eu queria naquele dia era ficar em casa, e em vez disso eu tinha atravessado a cidade pra uma consulta e teria de sair de novo às 14h, num sol desesperador e com umidade do ar a 10%, pra ouvir um médico decidir se eu deveria ou não antecipar minha licença maternidade.

Diante do meu estado emocional, Rafael ligou para o trabalho e disse que iria ficar em casa porque eu não estava me sentindo bem. Foi essencial tê-lo ao meu lado naquele dia sensível. Ele ligou pra parteira contando da leitura equivocada do exame e pedindo orientação. Optamos pela clorexidina, que, segundo ela, tem estudos comprovando a eficácia para eliminar o strepto. Fomos pra casa e consegui cochilar um pouco naquele finzinho de manhã.

Depois do almoço, ele foi me levar à perícia. Estava tão quente que comecei a sentir náuseas e tontura. A médica homologou metade do meu atestado e considerou o restante como antecipação da licença. Ficamos pensando se valeu a pena o estresse.

Tínhamos deixado Emília na casa da minha mãe para irmos à perícia e fomos buscá-la em seguida. Ela pediu pra mamar e senti uma contração muito forte. Fui correndo ao banheiro, vomitei e voltei como se nada tivesse acontecido, pra não dar alarme falso. Como o Rafael já tinha perdido o dia de trabalho, pedi que me levasse à ioga no fim do dia. Ainda fazia muito calor, a cidade queimava com o auge da seca. O clima lá na ioga também não estava bom. Muitas das gestantes relataram algum momento ruim emocionalmente. Mesmo assim, foi bom compartilhar, ouvir as outras e me esticar um pouco.

Sexta-feira, 9 de setembro. Acordei com contrações mais frequentes e pensei que poderia ser aquele o dia. Comentei com o Rafael, mas logo depois de tomar café da manhã disse a ele que fosse trabalhar. Que as coisas tinham dado uma acalmada, não era pra já. À tarde, quando Emília chegou da creche e pediu pra mamar, senti uma engrenada nas contrações e meu tampão começou a sair de vez. Mandei uma mensagem no celular da parteira e ela pediu que eu a mantivesse informada. Eu estava bastante cautelosa com essas boas contrações que sucediam as mamadas, porque normalmente elas iam embora uma ou duas horas depois, quando a ocitocina voltava aos níveis normais.

Rafael decidiu não ir trabalhar à tarde porque sentimos que esses pródomos estavam realmente evoluindo. Mesmo assim, eu considerava a possibilidade de passar o fim de semana sem ter parido.

Curtimos a tarde os três – Emília, Rafael e eu. No fim do dia, Rafael levou Emília ao parquinho enquanto eu fazia uma caminhada pelas redondezas. Encontrei uma amiga com sua filhinha de pouco mais de um ano, que perguntou se o bebê era pra novembro. Adorei. Durante a caminhada, nada de contrações de parto, tudo na paz. Fui encontrá-los no parquinho e depois fomos à padaria. Comprei muitos pães, pensando que talvez, na manhã seguinte, houvesse mais gente lá em casa para comer.

(continua...)

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Relato do parto de Margarida - Parte 2

O termo

37 semanas completas e a sensação de missão cumprida.

Ao longo de toda a gestação, mantive o aleitamento de Emília. Engravidei quando ela tinha 11 meses e optei por não desmamá-la, a menos que houvesse alguma intercorrência na gestação que me obrigasse a parar. Com 37 semanas completas, esses momentos que passávamos juntas eram deliciosos. Deitadas uma de frente para a outra, ela se alimentando do meu colostro com sua irmã entre nós (o sexo do bebê ficou desconhecido até a hora do parto; os palpites sempre apontavam para um menino, mas desde a metade da gestação senti que esperava Margarida).

A partir do início do terceiro trimestre, passei a achar que esse bebê não demoraria muito a chegar. No ritmo em que eu andava, certamente não demoraria. Exausta, sem energia, e precisando me dedicar mais a Emília e aos cuidados com meu corpo, parei de trabalhar ao redor da 31ª ou 32ª semana de gestação. Tirei três semanas de férias e depois uma licença médica que se estendeu até o nascimento de Margarida.

Esse repouso permitiu que eu me conectasse mais com meu corpo, minha casa e minha família. Assim, quando estava com 38 semanas completas, já pensava que o bebê poderia demorar um pouco mais a chegar. Talvez 40, 41 semanas, quem sabe? Sua casinha estava tão aconchegante que já não havia pressa.

Nesse tempo, fiz ioga, frequentei as águas frias da Água Mineral, cochilei diariamente. E fui, aos poucos, fazendo o ninho: cama nova para Emília, pintura nova no quarto das crianças, plantas na varanda, rearranjo dos móveis. A casa sempre limpa, a geladeira abastecida. Margarida podia chegar, mas, enquanto isso, eu desfrutava desse período mágico que antecede o nascimento de um filho. E dos meus últimos momentos sozinha com Emília.

(continua...)


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